segunda-feira, 29 de julho de 2013

Santas e vadias

"Só o amor constrói". Era essa a mensagem escrita numa boutique que foi apedrejada. As pessoas deixaram vasos de flores também, quase um funeral. Segundo perfis da mídia social, o motivo da quebradeira seria pelo fato da dona da marca da boutique ter sido flagrada ao utilizar mão de obra escrava. A informação sobre o motivo passou despercebida, a destruição não. Os conservadores não precisam saber o motivo, segundo a lógica do sistema, a simples destruição desqualifica o ato e eles o desqualificam para eliminar a mensagem: não queremos empresários inescrupulosos! Não queremos trabalho escravo!

Essa mensagem precisa ser vencida, calada, para que logo depois, outra boutique seja flagrada fazendo exatamente a mesma coisa, conforme aconteceu recentemente. Vivemos, realmente, sob uma lógica doentia. Até o sentimento de solidariedade, hoje, vem em pílulas.

Por esse mesmo motivo a Mídia Mafiosa deu tanto destaque aos manifestantes que, durante a Marcha das Vadias, quebravam santas. A ofensa acontece de maneira inversa incessantemente, no entanto, a Grande Mídia e seus teleguiados não se compadecem. Eles desqualificam os que quebram as santas para eliminar sua mensagem: minhas santas (direitos) são quebradas pelos católicos e evangélicos há muito tempo.

De forma incessante a Igreja Católica e os evangélicos atacam os direitos das pessoas gays e trans, atacam o aborto e atacam tudo que não se enquadre em sua ética machista e tradicional, no entanto, ninguém se sente ofendido.

Impressionante como um padre twittar que a questão do estupro como justificativa para aborto tem que ser bem vista "senão a coisa vira uma lei pró-aborto" não é considerado ofensivo, mas quebrar figuras de gesso é. Usá-las em empalamentos simulados é ofensivo, a nudez era ofensiva, os atos eram ofensivos, tão ofensivos quanto os parlamentares evangélicos e católicos são em relação aos direitos daquelas pessoas.

Como essas mesmas pessoas podem achar normal padres e pastores atuarem de forma ativa para que mulheres devam se submeter a parir um filho fruto de um ato violento? Relativizar a dignidade e a dor alheias por convicção religiosa é muito mais ofensivo do que sexo simulado com figuras de gesso.

Com o que se ofendem os brasileiros? Com a quebra de objetos ou com instituições religiosas defenderem que mulheres sejam obrigadas a carregar durante nove meses fetos que clinicamente não possuem qualquer chance de vida além de alguns minutos?

Para um ateu, esperar por um milagre é ofensivo.

Não é ofensivo pregar que pessoas não devem doar seus órgãos? Não é ofensivo que convicções religiosas possam impedir que outros possam viver mais dignamente, mais plenamente?

Com o que nos ofendemos? Com o fato das mulheres até hoje, inexplicavelmente, ganharem menos que os homens fazendo a mesma coisa ou com as santas quebradas no chão?

Não nos ofendemos com a ignorância de quem acha que um short curto facilita um estupro, mas nos ofendemos com santas quebradas.

Como podemos nos sentir tão ofendidos com radicais seminus que quebram santas e podemos não nos ofender com instituições religiosas agirem politicamente para impor a todos os seus ideais particulares?

Os que se ofenderam com as santas quebradas, por favor, me respondam, que direitos dos religiosos aqueles manifestantes tresloucados impediram de ser exercido? Qual religioso deixou de rezar, deixou de adorar seu deus, deixou de repetir que homossexualismo é abominação, pelo fato das santas serem quebradas e sodomizadas?

Pois saibam os ofendidos que as instituições mantidas por esses mesmos religiosos lutam e agem incessantemente para que aqueles manifestantes não tenham seu lugar na sociedade, que não tenham o direito de casar, se amar e viver do jeito que querem, assim como eles escolheram viver: rezando e mandando em suas mulheres. E isso, para mim e para aquelas pessoas é ofensivo.

Os religiosos quebram santas há muito tempo, todo dia.

Incessantemente programas de rádio e de TV propagam um fundamentalismo religioso muito mais ofensivo em relação às mulheres, às pessoas gays e trans do que a mera quebra de imagens que, relembre-se, são encontradas no comércio facilmente. Tanto se fala no mundo racional, pois então, devemos nos perguntar, RACIONALMENTE, o que representam, mesmo, as santas quebradas?

*Texto excelente. Saiba mais sobre as motivações da bancada anti-aborto: http://biscatesocialclub.com.br/2013/07/aborto/

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