sábado, 24 de maio de 2014

Impasse na Oposição de Esquerda

Fonte: http://creationsjourneytolife.blogspot.com/2013/04/day-352-occupy-wall-street-and.html
A fase de pré-campanha às eleições me mostra dois universos distintos. De um lado o telequete eleitoral entre PSDB e PT, com direito a algumas cadeiradas de Campos e Marina. O PT briga na mídia tradicional através dos milhões em publicidade paga (inclusive com o tal filme que queria afastar o medo) e com seus blogs, apoiadores incondicionais do PT e que, recentemente, têm apresentado um sectarismo muito semelhante ao da mídia tradicional, que claramente apoia o PSDB.

Campos e Marina ficam como aqueles figurantes mascarados dos telequetes aguardando que um dos duelantes no ringue se aproxime das cordas para lhes desferir um golpe ou outro. Às vezes botam a cara no ringue, xingam um ou outro lutador e depois voltam à sua posição de coadjuvante oportunista de qualquer chance de atenção.

Já a oposição de esquerda, completamente ignorada pela mídia tradicional, dá uns tapas através de publicações independentes e de uns poucos que têm vez na mídia tradicional, como Jean Willys na Carta Capital, e se atrapalha. Se atrapalha de forma lamentável.

A polêmica sobre a candidatura de Vladimir Safatle demonstra que enquanto não possuir mais inteligência, continuará ignorada pela grande mídia, exceto nos momentos em que manchetes "disse me disse" acusam deputados e na exploração do que já foi anunciada pelos grandes jornalões como uma crise no PSOL.

Obviamente, primeiro vi pelos sites mais tradicionais que Vladimir teria se irritado com a sua substituição para a candidatura do Governo de São Paulo e teria feito várias ameaças. Pelas notícias da mídia tradicional, haveria um impasse sério e até mesmo possibilidade de racha no PSOL, já que o nome escolhido no lugar dele, o de Gilberto Maringoni, dividiria o partido.

Com meu habitual filtro, não levei aquilo muito a sério e fiquei ainda mais tranquilo depois de ver as explicações de Vladimir sobre a questão no youtube. Como sempre, a mídia alternativa, no lugar de botar palavras na boca dos outros, coloca a pessoa pra falar, o que foi exatamente o que fez Safatle. A divergência e a decepção de quem tem seu nome recusado para uma candidatura me pareciam aparentes, mas ele me parecia conformado e demonstrou respeitar a posição do partido, da qual também discordo.

Questão resolvida? Não sei. Li hoje no Pragmatismo Político que Luciana Genro, contrariada com a rejeição da candidatura de Safatle bateu o pezinho "democraticamente" e anunciou que poderia desistir da posição de vice-presidente da candidatura do PSOL caso Vladimir não fosse recolocado na posição de candidato ao governo de S.P.

A notícia  informa que as declarações irritadiças de Luciana Genro teriam ocorrido na quinta-feira, 22 de maio. A mesma data de postagem do vídeo que esclarece a posição de Safatle. Ao que me parece, Luciana Genro, em seu mimimi, se antecipou e comprou o barulho de quem já não queria mais confusão.

Parabéns pelo chilique inútil, querida (o "querida" não é ironia) Luciana. Nada como dar motivos para uma mídia que ignora os candidatos da oposição de esquerda, exceto quando os usa como alegoria para o regojizo dos conservadores, que ficam cada vez mais aliviados com essas trapalhadas.

Me pergunto se Luciana Genro, antes de fazer sua patetada, viu as explicações de Safatle. Me pergunto, ainda, se vai manter essa posição ridícula e antidemocrática, depois que as ver. Me pergunto, ainda, se essa posição intransigente ajuda, de alguma forma, a evitar a divisão do PSOL.

Novamente, teremos o "vale a pena ver de novo" das eleições melancólicas de outrora. A mídia sistêmica, como sempre, vai alimentar os lutadores que se acusam em uma campanha suja e simplesmente não expressam seus planos e projetos de governo. Já os opositores de esquerda, pelo que me parece, perderão a oportunidade de se utilizar de um dos momentos mais conturbados em nossa política desde 1989 para aumentar enormemente sua representação.

A sociedade civil, principalmente a juventude, cada vez mais, oferece armas para os progressistas. Os coletivos independentes se multiplicam, acadêmicos se organizam e se expressam, faculdades e professores organizam eventos. O aquecimento do debate dentro dos que idealizam mudanças além da troca de tecnocratas é óbvio. As armas estão aí, cada um luta como pode e quando se tem uma enorme desvantagem, há que se entender como usá-las.

Vladimir Safatle me parece saber utilizá-las. Infelizmente, o PSOL não o lançará candidato. Questão superada, a luta continua. Luciana, por favor, se preocupe mais com a sua campanha, pois os 1% de votos, raramente mencionados pela impren$a, precisam ser superados. Como Vladimir falou, demonstrando óbvio conhecimento do caráter global da insatisfação urbana: "Se representamos os outros 99%*, como podemos ter apenas 1% de pretensão de votos?" 


*  *  *


Luciana Genro no Pragmatismo Político: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/luciana-genro-publica-carta-dura-ao-psol-sobre-caso-vladimir-safatle.html

A versão de Vladimir Safatle: https://www.youtube.com/watch?v=QeYVHYemLlk  

*Em sua entrevista, Vladimir Safatle demonstra a mesma opinião que eu sobre todo o vinagre na rua. Há efetivamente um rescaldo de um grito global que não deve arrefecer. "Os outros 99%" é uma expressão usada cotidianamente no ativismo Global, principalmente pelos mais variados coletivos que ostentam a expressão Occupy, um dos mais importantes fenômenos de resistência à tecnocracia plutocrática dos últimos anos. 

We are the 99%: http://en.wikipedia.org/wiki/We_are_the_99%25

domingo, 18 de maio de 2014

Reações sistêmicas antissistêmicas

Rafucko mandando o papo reto na Marcha da Maconha (foto roubada da minha amiga Bianca, advogada, ativista, voluntária e que vale por uma passeata)
Há muito que os vários atores da mídia independente denunciam a injustificável omissão dos órgãos públicos destinados à defesa dos direitos fundamentais em relação aos abusos policiais no trato com os manifestantes urbanos.

Aqui no Rio me decepcionei com o trabalho da Defensoria Pública que não bastasse ter se omitido em preparar plantões para defesa das prerrogativas constitucionais dos manifestantes (deixaram todo esse trabalho para as organizações voluntárias) ainda teve uma atuação no mínimo polêmica no episódio que envolveu a desocupação da Favela Telerj.

Continuo admirando o Órgão, que certamente atuará em sede judicial para defender os "vândalos", mas acho que em momentos singulares, deve-se fazer mais do que o programa de costume.

A polícia civil, ao indiciar os PM's responsáveis pela quebra das vidraças na D.P. do Catete demonstrou que não está pela democracia e sim pela proteção de sua instituição. A clara noção desse fenômeno me veio quando fiquei sabendo que o Rafucko* foi chamado a prestar esclarecimentos com base nas denúncias levianas de um dos mais radicais colunistas da Veja.

Tirando o episódio da vidraça, não vi qualquer disposição da Polícia Civil em investigar os mais variados atos de abuso de autoridade e violência desmedida quando da repressão às manifestações urbanas. O que não falta é prova para isso, agora, logicamente, elas não serão encontradas no denuncismo hipócrita e reacionário dos nossos jornalões. Espero estar errado, espero que, de fato, a Polícia Civil esteja investigando a violência policial, mas, nesse ponto, infelizmente, acho que estou excessivamente otimista.

Sinistramente, o Delegado de Polícia Orlando Zaconne, pertencente a uma minoria que defendia a justa investigação sobre o sumiço de Amarildo e uma das poucas autoridades a dialogar de forma lúcida com o grito urbano, foi indiciado em um processo administrativo para apurar crime de prevaricação, eis que teria comparecido ao evento no qual Rafucko entrega um prêmio a um manequim roubado da Toulon sem nada fazer.

As explicações no site do Rafucko demonstram claramente que não houve prevaricação, já que o manequim premiado era completamente diferente daqueles que estavam na vitrine da Toulon. Com ironia fina, o humorista e ativista avisa que são de famílias diferentes.

Lamentável, assim, que a máquina administrativa seja usada devido a uma denúncia leviana, com claros fins políticos, quando bastava à polícia fazer uma pequena pesquisa no site do acusado (!?). Talvez, a mídia independente ainda não tenha credibilidade para nossas autoridades. Isso nem é o pior, já que tudo que é novo causa estranheza, o pior é saber que a Veja tem credibilidade para a Polícia, logo a Veja!

Corre pelos corredores forenses, ainda, um boato (suspirado) de que o Desembargador Siro Darlan estaria sofrendo forte rejeição dentre seus pares por sua opinião em relação às jornadas urbanas começadas em junho do ano passado e que qualquer evolução de sua carreira dentro do Tribunal estaria seriamente ameaçada.

O Ministério Público, teoricamente o Fiscal da Lei, na época do DOI-CODI Cabralesco mostrou bem o lado que tomaria ao participar ativamente da comissão que implementaria este verdadeiro atentado à democracia e às liberdades individuais.

O nosso poder constituído, com o que acha ser um golpe de misericórdia ao grito urbano, vem exercendo toda sorte de pressão aos coletivos de advogados que defendem os direitos fundamentais dos desobedientes e aos mais variados acadêmicos que, com a curiosidade oriunda de quem observa os conflitos sociais, dão apoio filosófico para os revoltosos. Ao sistema não interessa que o Vinagre se mature e sim que se marginalize.

A tática de arapuca contra a garotada desobediente era óbvia e foi denunciada por vários atores da mídia independente, inclusive por este blogueiro chato. Assim, não me restou outra atitude senão a lamentável constatação de que a garotada estava sozinha, totalmente sozinha, tirando sua valente rede de apoio e que o poder constituído jamais faria qualquer coisa para garantir seus direitos fundamentais de liberdade (propriamente dita e de expressão).

Pressão por todos os lados, tiro, porrada e bomba, assim como sufocamento das redes de apoio pareciam ser uma tática infalível para acabar com a bagunça. Contudo, não é o que vejo. A rua continua aí, em todos nós, e eles ainda vão ter que engolir muita baderna.

Apesar desse cenário aterrador, algumas atitudes recentes de órgãos públicos e do sindicato de Delegados do Rio me deixaram mais esperançoso.

A primeira delas foi a ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo visando à reparação moral pelos incalculáveis danos causados pela ação policial psicótica na desocupação de Pinheirinho. A atitude pode parecer tardia, mas sinaliza, ao menos, uma reação em prol dos desvalidos.

Já o Ministério Público aqui do Rio, após um melancólico passeio de mãos dadas com nosso Governador, recentemente acusou o Secretário Estadual de Segurança Pública por crime de improbidade devido a fatos relativos à locação de viaturas policiais.

Provavelmente insatisfeito com seus caciques, o Sindicato de Delegados do Rio efetuou uma representação frente à Corregedoria Geral contra a chefe da Polícia Civil, também por improbidade.

Talvez os fenômenos mencionados aqui não tenham relação, mas acho que ajudam na luta, pois munição útil faz estrago.

O uso dos mecanismos do sistema para assegurar a defesa contra os seus abusos, ainda que de maneira isolada, é revelante e deve não só ser observado como explorado.

Fora isso, tais fatos demonstram que ainda há um discurso divergente ativo dentro do sistema e que a luta interna é tão importante quanto aquela praticada pelos "excluídos" (seja de representação ou dos direitos mais básicos para a dignidade humana). Quem sabe um dia não saiamos do topo do ranking de medo da tortura policial?

Os tecnocratas que tremam, porque até mesmo os sistema que garante seus privilégios pode oferecer resistência e muito efetiva. Ainda teremos muita oposição pela frente e mesmo com Copa, o grito "não vai ter Copa "nunca se mostrou tão digno de uma análise profunda. Aos que temem a mudança ou acreditam nela através da eleição de novos (ou antigos) tecnocratas, um beijinho no ombro.

* * *

Rafucko é artista e comediante independente. Segue o site e dele e, se puder, contribua para seu talk show: http://rafucko.com/

Uol noticia a ação da Defensoria Pública de S.P.: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/03/19/defensoria-publica-pede-r-10-milhoes-para-indenizar-moradores-do-pinheirinho.htm

Notícia de O Dia sobre a ação do MP do Rio: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-14/ministerio-publico-acusa-beltrame-de-improbidade.html

Notícia de O Dia sobre a representação do Sindicato de Delegados: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-14/corregedoria-vai-investigar-ex-chefe-da-policia-civil.html

Finalmente estamos no topo de algum ranking, o do medo da tortura policial, por Pragmatismo Político: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/o-ranking-mundial-de-medo-tortura-policial.html


segunda-feira, 12 de maio de 2014

O terrorista perdoado


Votei em Fernando Gabeira para deputado federal mais de uma vez, independente do partido a que estivesse filiado. Na verdade, meu comportamento foi típico do leigo político que sou, que visa à cara do sujeito e não à conjuntura política.

Em uma época em que o Brasil era ainda mais conservador, eu achava que ele poderia levar discussões e debates importantes para o Legislativo. Lembro da primeira vez em que o vi pessoalmente. Ele fazia campanha para o governo do Estado e eu sequer tinha idade, mas tinha certeza de que votaria nele.

Foi um dos primeiros políticos que vi falar abertamente sobre homossexualismo, legalização da maconha, aborto e outros assuntos hoje considerados como da esquerda caviar. Era conhecido pela tanga de crochê na praia e chamado de viado maconheiro por todas as figuras autoritárias que passavam pela minha frente. Como não votar nele? Talvez tenha sido ignorância minha, mas, convenhamos, a diversidade de informação da mídia, na época, era inexistente.

Confesso que me desanimei ao vê-lo se aventurar a eleições majoritárias. Não só devido às estranhas alianças do PV, mas também, por que acreditava que ele faria muito mais diferença como parlamentar do que como pretendente ao Executivo. 

Gabeira teve a minha solidariedade no início do Governo PT, quando foi deixado horas por José Dirceu (que já dava sinais do fisiologismo antropofágico de seu partido) em uma sala de recepção e, depois, foi embora visivelmente abatido. Lembro que, na época, os conservadores se refestelaram, acharam uma graça danada e diziam que comunista era tudo traidor.

Não sei se ele se aventurará a novas eleições, seu programa em um dos canais da Rede Globo e blog me deixam a certeza de que ele anda bem ocupado, com um trabalho de qualidade bem superior ao que normalmente vemos nos grandes meios de comunicação, mas tenho certeza que não votaria nele.

Não entendo mais Gabeira. Isso não é uma reclamação: é uma constatação, simplesmente não sei mais qual é a dele e não posso votar em alguém cuja direção eu não compreenda bem. Seu blog menciona a Mídia Ninja, no texto que me parece alfinetá-los, ele fala em liberdade e parcialidade da imprensa, enquanto usa evidências da mídia oligopólica para insinuar roubalheiras e arranjos com o dinheiro público e praticamente ignora os vários outros coletivos.

Para quem acompanhou o debate trazido pela mídia ele poderia, para reforçar suas críticas, ter mencionado os outros coletivos, lhes dar espaço, no lugar de simplesmente taxar todo o trabalho feito com críticas que se referiam apenas ao Mídia Ninja. Poderia ter exposto os variados jornais e blogs independentes não governistas que também estão na rua e vivem à míngua e, quem sabe, aprimorar a cobertura independente.

Discordo, ainda, quando ele fala sobre a abrangência da mídia tradicional. Na verdade houve sim um comportamento pendular da mídia, que não deixou de se ligar nas redes sociais, contudo, ignorou, em seu texto, as incongruências perpetradas pelos grandes canais de comunicação, expostas pela garotada urbana como nunca visto antes. 

O texto de Gabeira sobre o Mídia Ninja é de agosto de 2013, uma época em que, embora houvesse muita atenção para o Mídia Ninja, vários outros coletivos que se colocavam (assumidamente) ao lado dos manifestantes já eram conhecidos. Qualquer interessado que não se resumisse à perseguição perpetrada na época pela grande mídia ao Fora do Eixo poderia ter conhecimento dos outros coletivos e poderia ter analisado, mesmo que também criticasse, o trabalho deles. O texto reproduz uma crítica corporativa à mídia independente. Para minha decepção, Gabeira não saiu do óbvio trabalho da mídia hegemônica.

Note caro leitor, que minha decepção não vem da posição adotada, mas sim pela adesão ao comportamento da mídia sistêmica sem nada acrescentar. Não vi qualquer novidade em seu texto e em uma realidade em que se discute tanto as multiparcialidades jornalísticas, esperava mais do meu ex-Deputado.

A crítica e o posicionamento não são estranhos a outros que possuem programas na Globo ou na CBN, são estranhos, na verdade, ao Gabeira que, antes, imagino, usaria seu espaço nesses meios justamente para afinar a crítica e trazer um discurso à esquerda dos que normalmente têm acesso à grande mídia.  Esperava algo mais do que mero moralismo e indícios, sem que fossem mostradas de forma satisfatória, as fontes de sua afirmativa sobre o mau uso da verba estatal.

Seus textos batem forte no P.T., quase que praticamente sem falar em qualquer outro partido, mas justamente nos mesmos assuntos tão deflagrados pela Mídia. O Blog, há tempos que se concentra em oposição específica e virulenta ao governo e repete as críticas e o foco de vários outros colunistas da mídia corporativa. Está no direito dele, mas para quem normalmente expunha suas ideias com maior profundidade e lucidez, Gabeira, mais uma vez, fica na repetição do que outros fazem e de forma muito mais apreciada pela direita raivosa.

Não vejo mais uma luta pela reforma e reflexão profundas de nossos valores. Gabeira, hoje, pelo que me parece, se limita à ecologia e repetição da Mídia que hospeda seu programa de TV, o mesmo foco, o mesmo teor de crítica.

Se o seu blog se baseia em oposição ao P.T. e eu não o vejo interagir com os movimentos de oposição que, hoje, estão ligados às causas que o fizeram me conquistar quando garoto, como localizar Gabeira no cenário político? Direita? Ou será centro-esquerda isolada? Talvez esquerda excêntrica, ou será esquerda caviar disfarçada? Talvez Gabeira seja uma cabeça de ponte progressista nas linhas de frente conservadoras. Talvez nem mesmo Gabeira queira se classificar e seja o mesmo enigma político para si mesmo que é para mim.

Gabeira, hoje, me parece fazer críticas mais apreciadas pelos que acham que o crime de ter feito parte da luta armada contra a ditadura é imprescritível, acho que no mundo coxinha, virou um terrorista light, do tipo que sequestrou um embaixador, participou de assaltos e pôs em risco a "segurança" garantida pela ditadura aos homens de bem, mas no fundo, também é gente de bem. O terrorista está curado e, se está curado, obviamente está perdoado.

Basta trabalhar pra Globo e desferir golpes contra o governo petralha comunista para ser um terrorista perdoado? Indago, então, o motivo pelo qual outros terroristas que, hoje, apesar de fazerem parte da oposição, continuam estigmatizados como meros defensores das atrocidades típicas dos regimes que adotaram a economia de Estado.

Será que ele continuará a ser perdoado se for à Marcha da Maconha? Ou será que o seu perdão será revogado se ele for flagrado na companhia de outros terroristas? Pelo que me parece, Gabeira é perdoado justamente por seu isolamento, pois em seu isolamento, Gabeira canta, mas não faz barulho. O jeito é continuar a escutar Gabeira cantar, na esperança dele fazer barulho. Espaço, inteligência e notoriedade ele já tem... 

sábado, 3 de maio de 2014

Criminosos e heróis

Imagem do artista urbano Dran

http://www.dcriativo.com/2014/05/street-art-dran-humor-negro.html

A histeria midiática, com a aproximação de nossas eleições presidenciais se intensifica. A maioria do tempo é destinado às mais variadas denúncias, que vão desde a mais recente investigação da Petrobrás até a já antiga perseguição a José Dirceu (tendo em vista a velocidade factual cibernética). Já as notícias de teor mais técnico, que sem qualquer detalhe explicam que a bolsa sobe quando Dilma perde popularidade, que o baixo nível de desemprego e a queda de informalidade, na verdade, não são relevantes e que a elevação da arrecadação é uma péssima notícia, fazem o trabalho político da Mídia com sutileza fingida.

O trabalho político, apesar de amargo, consigo digerir, o que não consigo nem mesmo engolir é o discurso de resgate moral da política brasileira. 

Segundo nossos vigilantes, o Brasil foi formado por marginais expulsos da Europa e a desonestidade estaria impressa no DNA do brasileiro. O povo tupiniquim é invariavelmente preguiçoso, desonesto e oportunista (o povo, logicamente, porque a elite, por mais que tente, não consegue colocar a "paraibada" na linha). Ora, diante dessa inegável e nefasta herança, como atribuir ao neto de Tancredo a responsabilidade pelo resgate da honestidade brasileira? Apesar de poderoso, Aécio ainda não possui poderes divinos e, cá pra nós, é neto de quem faleceu no PMDB, partido que, agora, faz parte da quadrilha "petralha".

O moralismo é uma arma conservadora muito antiga. Corresponsável pelo surgimento dos mais variados regimes radicais da extrema direita, o discurso óbvio da honestidade despolitiza o receptor da mensagem e desvia sua atenção para questões políticas que, apesar de supostamente marginais, deveriam servir como o critério mais importante para a escolha do candidato. A honestidade é obrigação e não plataforma e por mais que seja caricaturada pelos que foram passar vergonha na Marcha da Família, versão século XXI, tem sido um critério cada vez mais usado pelos conservadores que se dizem moderados e isso é mau sinal.

Foi exatamente com esse critério que nossos Oligopólios Midiáticos, na década de 80, ajudaram a eleger Collor de Mello, o herói, caçador de Marajás. Vejamos o destaque ao "herói", dado pela Veja: 


Vejam a imagem do herói: novo, bonito, fazia cooper, lutava karate (e, segundo diziam alguns, não só o japonês, mas o boliviano também) e o mais importante, era honesto. Deflagrado o processo de impeachment do "herói", cuja família possuía uma antiga relação comercial com a maior rede televisiva do Brasil, rapidamente seus antigos apoiadores o infectaram com a lepra política, transmutando seu apoio em intensa vigilância. Não esqueçamos, ainda, a Capa da Veja pouco tempo depois, enaltecendo a denúncia do irmão de Collor que, segundo alguns, foi motivado por ciúmes e não honestidade:


O filme hoje se repete, natural e monotonamente. Hoje, Collor é relacionado à figura de "Lulla", embora há quem afirme com toda a veemência que a família Collor continua no controle da emissora Global em Alagoas. A tentativa de ligar o Governo Federal à corrupção dos tempos colloridos, logicamente, passa ao largo da observação dos grupos políticos e midiáticos que o apoiavam e camufla o comportamento pendular da Mídia que escolhe aliados, adversários, heróis e vilões de acordo com seus interesses econômicos.

Os crimes do mensalão não podem ser esquecidos, nem seus criminosos, tudo é um escândalo, enquanto denunciam discretamente, isso quando o fazem, o estarrecedor fato de ser encontrada meia tonelada de cocaína no helicóptero da família de um deputado tucano. Políticos corruptos devem ser defenestrados, mas traficantes não, ao menos os ricos, já que os traficantes miseráveis do gueto merecem a morte com requintes de crueldade.

O tucano e seu helicóptero são perdoados, mas o jovem assassinado pela polícia em Copacabana, não, afinal, os colunistas tão repetidos pelos zumbis rapidamente trataram de mostrar que o tal dançarino, na verdade, era amigo de traficante. Será que alguns dos amigos do dançarino chegaria a vender um pouquinho daquela cocaína encontrada no helicóptero, caso o piloto, o óbvio e poderoso dono de meia tonelada de cocaína, não fosse pego? Vamos mudar de assunto, afinal, a corrupção está demais!

Como não poderia ser diferente, o discurso moralista raso se torna uma avalanche de chorume para os que, independente da matiz ideológica, analisam os fatos e não os comentários, sejam de internautas ou dos colunistas de nossos Oligopólios, verdadeiros arautos que, na verdade, reproduzem a opinião  de quem os remunera.
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A mais óbvia demonstração está no sadismo inserido na cobertura sobre a execução da pena de José Dirceu. Um sadismo esquizofrênico, bipolar e que não resiste à mais breve reflexão.

O mais radical e moralista veículo midiático brasileiro, ao acompanhar ferozmente a forma pela qual Dirceu expia sua pena (logicamente, em prol da moralidade), não se furtou à utilização de imagens obtidas de dentro do presídio, de forma obviamente criminosa, por um agente penitenciário que, conforme deveriam desejar as pessoas de bem, deveria ser punido por sua transgressão.

Não bastasse o ato violador, que, por si só, é digno de repúdio, a lógica capitalista externada por esta mesma Mídia nos leva à conclusão de que dificilmente aquele agente penitenciário obteve aquelas imagens por abrigar um senso de dever cívico.

Essa forma parcial de proceder (não só por abrigar determinada tendência partidária e ideológica, mas também por divulgar pílulas de informação) foi reproduzida na recente vistoria à cela de José Dirceu. As imagens, ilegalmente obtidas, foram, segundo algumas fontes da web, deflagradas por um assessor do PPS que, pasmem, sequer deveria estar ali. Coincidentemente, quase que instantaneamente as tais imagens de Dirceu na Papuda foram parar em um desses veículos conservadores, ou seja, novamente os zumbis midiáticos aplaudem um furo de reportagem obtido por meio de fontes ilícitas.

Imediatamente após a coleta fraudulenta de imagens, transferidas, sabe-se lá como e por quem, já que o assessor nega uma deputada que sequer entrou na cela de Dirceu se dirigiu a esta mesma mídia, para denunciar as regalias do petista, contrariando o relato de um deputado da oposição (Jean Willys), ou seja, que teria todo o interesse em defenestrar Dirceu, mas preferiu a verdade, preferiu, como dizem os zumbis, o caminho da moral e dos bons costumes.

Em momento algum se dá destaque ao relatório de Jean Willys, que, mesmo sendo da oposição, não serve porque é "comunista". Muito melhor é acreditar em quem diz que vê sem ver e em quem recorre a condutas ilícitas para obtenção de imagens.

Tal qual a argumentação sobre as origens do povo brasileiro, a incoerência me parece mais do que evidente, na medida em que a perpetração de crime, mesmo que para vigilância de corruptos (o estigma da moda), jamais se firmará como medida pela moralização do País.

Outro ponto curioso é que nossos vigilantes e legalistas midiáticos, apesar de gritarem por um sistema duro, aos moldes do que dizem que acontece na Europa "desenvolvida" e nos EUA, não se preocupam com o fato do Batman brasileiro simplesmente ignorar as normas vigentes para negar a Dirceu uma progressão de regime já impassível de discussão judicial.

A Mídia destaca a vistoria e as regalias na cela de Dirceu, mas o papelão do Batman, que senta em cima, ilegalmente, da questão pertinente à progressão de regime da pena do petista, que deveria ter o direito de sair para trabalhar como todos os outros, eles escondem. Santa vigilância!

Mais uma vez, nossos arautos da moralidade aceitam "pequenos" desvios de conduta em prol do bem comum: a defenestração dos corruptos e cinicamente reforçam a cultura que estaria impressa no DNA do brasileiro, aquela que justifica pequenos delitos, atitudes cotidianamente antissociais e, até mesmo, desumanas, tudo pelo jeitinho que tanto fingem execrar.

A Mídia, que há muito sabe disso, desvia a atenção dos zumbis, jogando cadáveres frescos. Enquanto isso, os zumbis continuam a ignorar que um Estado Democrático de Direito não se faz com punibilidade seletiva e tolerância a desvios. O rigor, pelo que tanto clamam nossas pessoas de bem, deve ser igualmente democrático e não reservado apenas aos "petralhas", aos "comunistas", aos "vândalos", aos "badereiros" ou aos "bandidos" que não estejam de terno e sim de chinelo, que demoram meses para traficar meia tonelada de cocaína, transportada, sabidamente, em helicópteros de famílias abastadas.



Fantástica observação da Forum sobre o assunto: http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/01/sobre-fundamentalismo-midiatico-e-zumbis-amestrados/

A versão de Jean Willys, da oposição, sobre as regalias de José Dirceu: http://jeanwyllys.com.br/wp/o-que-vi-e-ouvi-em-minha-visita-a-papuda