segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A direita vai pra rua



As pessoas estavam cansadas da corrupção dos petralhas. As pessoas estavam com medo do comunismo. As pessoas temiam que o Brasil falisse, assim, fizeram campanha para Aécio Neves. Desqualificaram Dilma, Lula e quem mais não votasse com eles. A posição política virou sinônimo de caráter e enquanto eles enxergam novos tempos eu sinto cheiro de mofo.

O resultado do plano democrático para o fim de comunismo não foi o esperado, assim, de que outra forma salvariam o País do triste destino que lhe aguarda? Não poderiam se conformar com a continuidade do governo bolivariano, queriam respirar novos ares e eu continuo sentindo o cheiro de mofo.

Capitaneadas por Lobão, o músico político e por um dos membros da família Bolsonaro (flagrado portando uma arma numa manifestação pacífica) foram para a rua, foram pela democracia, pela família, pelo fim da ditadura das minorias e o cheiro de mofo continua. 

Tomaram para si os símbolos nacionais, se consideram os únicos patriotas. Alguns gritaram pelo impeachment, outros pela intervenção militar (para restaurar a verdadeira democracia) e outros não gritaram nada que não fosse palavras de enaltecimento à P.M. e ofensas aos petralhas comunistas, o fim do comunismo é o principal pleito. O cheiro de mofo aumenta.

A imprensa calculou o número de participantes entre 1.000 e 3.000 pessoas. Já alguns partidários diziam que eram mais de 40.000 pessoas. Não importa quantos sejam, já que eles representam a retidão moral e os verdadeiros e patrióticos democratas. A tese de que "cidadãos responsáveis" tomem para si os destinos da sociedade em virtude da inépcia do povo ignorante toma força. O cheiro de mofo já irrita as minhas narinas.

Baseado nos relatos, me pergunto o que quer a nova (velha) direita ativista, além do retorno do mofo retrógrado que, agora, me causa também urticárias?

Impeachment? Ok, mas sem processo? Simples assim, impeachment porque queremos? Esse grito foi feito em 2013, quando essa mesma direita tentou impregnar as jornadas de junho, a rua reagiu, o vinagre maturou e os mesmos que estão na rua, na época, voltaram para poltrona para torcer pelo massacre dos vândalos. A P.M. que expulse os animais, o enjeitados, os descamisados, os desmilinguidos, pois eu quero o fim do comunismo petista e o cheiro de mofo começa a me incomodar mais do que o gás de pimenta que tanto respirei na rua.

2013 não trouxe o destino que queriam, as eleições não trouxeram o destino que queriam, sabidos que são, de sua inteligência e cultura, os manifestantes democráticos  tomam para si as rédeas do destino e, agora, mesmo que saibam que seu candidato perdeu por uma "pequena" margem de votos, querem uma solução alternativa, imediata. São democratas, mas não querem a decisão da maioria, querem que sua cultura e informação prevaleça.

Enaltecem a maioria, para negar os direitos da minorias, mas desprezam a maioria quando se trata de sufrágio, mas são democratas, acima de tudo! De fato, o mofo narcotiza.

Já que são democratas, respeitarão as normas balizadas pela representação democrática que dizem que, impedido o Presidente, assume o vice? Ou será que depois do impeachment virá a segunda parte do plano, que trará cheiro de mofo concentrado e pode ser traduzido pelo grito de uma minoria no movimento urbano conservador? E se conseguirem o impeachment, ficarão felizes com Michel Temer como Presidente? Afinal, o objetivo é trazer o PMDB ao poder? Que eu saiba, o PMDB é aliado dos petralhas. Afinal, se querem mudança, como conseguirão entregando o trono ao mais fisiologista dos partidos brasileiros?  

Pedem impeachment porque enxergam um defeito na representação democrática. Por outro lado, condenam a regulamentação da participação popular, eis que sinalizada por um decreto bolivariano. Afinal, o que querem? 

Ok. Vamos ao segundo pleito, trazido, segundo a direita patriótica, por uma minoria. Esse segundo pleito, pelo que vi, se subdivide em dois: os que querem a intervenção militar para a restauração da verdadeira democracia e os que querem simplesmente a volta da ditadura militar até que o povo tenha consciência de manejar a democracia conforme os princípios patrióticos e morais dos revolucionários mofados.

Qualquer uma das hipóteses desse segundo pleito revela a que ponto os lunáticos influenciados pelos aríetes direitistas travestidos de colunistas e outros atores, a maioria alunos confessos do grande "filósofo" Olavo de Carvalho, chegaram e, se puderem, chegarão: ao atoleiro mofado do conservadorismo neurótico.

Afinal, se os golpistas são uma minoria e que tal grito não reflete a maioria democrática do movimento, que pede "apenas" o impeachment por meio de um processo sumário de clamor popular, não deveriam seus partidários refletir sobre os efeitos do sucesso de seu grito?

Se não são golpistas e sim democratas, como conseguirão o retorno imediato do país ao caminho do neoliberalismo (como se o P.T. tivesse ocasionado uma ruptura significativa em nosso sistema plutocrático)?

Se golpista é apenas a minoria que pede o retorno à ditadura, como defender democraticamente o impeachment de um Presidente que sequer foi denunciado ou investigado?

Não confiam na elucidação dos fatos por parte do poder constituído bolivariano, assim, para evitar a ditadura comunista, agem autoritariamente. Tempos extremos pedem medidas extremas...mesmo que antidemocráticas, mas praticadas por democratas, que isso fique bem claro!

Em seu pseudo liberalismo, se esquecem que soluções autoritárias dificilmente restauram a democracia. Afinal, estão preparados para mais algumas décadas  de jugo autoritário, até que o povo saiba votar? Ou será que se conformarão com quatro anos de governo PMDBista?

O pior é que pedem o fim do que não têm e o retorno do que já possuem, uma sociedade classistas e plutocrática.

Aguardo cenas do próximo capítulo, intoxicado pelo mofo da direita neurótica.

domingo, 28 de setembro de 2014

Arte e agonia: transporte público carioca me lembra Cildo Meireles

fonte: http://livroseafins.com/a-coca-cola-incendiaria-de-cildo-meireles/

A imagem acima retrata as intervenções artísticas de Cildo Meireles. Durante a nossa ditadura militar, o artista se utilizava dos cascos retornáveis das velhas "coquinhas" para trazer questões incômodas ao poder constituído, afrontar o regime, os EUA e até mesmo ensinar a fazer coquetéis molotov.

Imagino a indignação dos liberticidas da época com as intervenções do artista. Devem ter se amargurado com a formiguinha que, com muita paciência, foi inundando os bares com as intervenções. A divulgação das mensagens era difícil de reprimir, eis que a tinta utilizada, quando o casco estava vazio, as deixava quase invisíveis. Quando o maquinário da indústria enchia o vasilhame com o líquido preto, a intervenção se destacava.

Imagino a cara de um milico ao ler as instruções para o fabrico de um coquetel molotov em seu amado refresco. 

Tenho notado um fenômeno semelhante aqui no Rio, em imagens que são divulgadas nos trens e mais recentemente no metrô.

Observo o mesmo trabalho de formiguinha, o trabalho anônimo e irreverente, com o justo intuito de incomodar os liberticidas e seus financiadores.

A primeira vez que percebi esse fenômeno foi através do facebook, em uma imagem que retratava um cartaz que seria uma cópia fiel dos avisos de divulgação da concessionária ferroviária, contudo, no lugar das velhas mentiras e mantras do tipo "estamos melhorando sua via, caro usuário" o cartaz dizia: em horários de pico, pode ser necessário que você deixe outras pessoas sentarem no seu colo.



Em clara alusão ao serviço porco gerado pela privatização ensandecida tupiniquim, os cartazes foram reproduzindo outras pautas: a supervia é isenta de pagar os milhões de reais em multas que deve aos cofres públicos, porque a agetransp é uma agência reguladora de fachada, composta por pessoas ligadas aos governantes e a empresários do setor de transportes.



Outra faz alusão à ridícula situação de não possuirmos ar condicionado em 100% das composições ou ônibus que servem uma cidade que possui os verões mais quentes do Brasil:




Como o autor(es) das intervenções é anônimo e, depois da evidente contrariedade por parte dos incomodados, que já falam em investigação, provavelmente assim se manterá, tomei a liberdade de usar as imagens sem refletir créditos.

Impressionante como a perspicácia de Cildo Meireles foi reproduzida nessas novas intervenções que, através de frases simples, conseguem expor os maiores defeitos de nosso privatismo ensandecido e clientelista.

A falta de estrutura adequada para o transporte digno dos cidadãos do Rio, a ridícula fiscalização de fachada e o interesse empresarial em detrimento do conforto do público expõem o absurdo que envolve o transporte público carioca.

De fato, os trens, há muito privatizados, são incapazes de trazer maior conforto às pessoas da periferia. E o mesmo acontece nos ônibus, privatizados aqui no Rio há ainda mais tempo.

A camaradagem que nossos governantes mantêm com os empresários do setor que, apesar do parco investimento e do ridículo retorno ao consumidor pelo valor da passagem, são agraciados com aumentos constantes, joga ladeira abaixo a sofrível argumentação de que o empresário privado brasileiro será mais honesto e eficiente do que o seu Estado.

Muita vista grossa para irregularidades, vide o estado dos ônibus que circulam pela cidade, principalmente fora da Zona Sul (você pode não acreditar, mas eu já cansei de andar neles), o comportamento ensandecido de motoristas mal treinados e atormentados pelo calor e pelo barulho (e, logicamente, pelas multas que deveriam levar) e o interminável esquecimento da obrigação de investir devidamente no serviço que exploram, já que nem mesmo se procede à instalação de ar condicionado nos suadouros que chamamos de ônibus e trens, fazem da privatização de nosso transporte público uma evidente ilusão. 

Recentemente fui surpreendido com mais uma intervenção, dessa vez no metrô, que fazia alusão às notícias sobre o processo licitatório fraudulento que teria envolvido a compra dos mais novos vagões:



O melhor é que esse tem direito à tradução para o inglês. Já que eles querem vender o Rio aos turistas, que ao menos os gringos saibam que na Cidade Maravilhosa nem tudo são flores, na verdade, em relação à universalização de direitos, notadamente em relação à mobilidade urbana, nossa cidade é puro espinho.

Os conformistas, amantes da tecnocracia e, ainda, os crédulos que acham que um serviço privado que, por sua natureza, não possui concorrência (e por nossa desonestidade, não sofre fiscalização efetiva), vai ser superior ao que o nosso Estado seria capaz de prover, provavelmente vão dizer que estou superestimando a ação de um revoltado qualquer.

O mais engraçado é que os neocons cariocas, não bastassem fingir ignorar o estado calamitoso do seu transporte público (o da Baixada consegue ser pior) para não parar de defender a propagação de uma privatização que possui as mesmas práticas do serviço público, ainda reclamam que os pobres agora podem comprar carro!

Pois eu acho que esta é uma maravilhosa lembranças das garrafinhas de Coca de Cildo Meireles. As novas intervenções expressam não só o sentimento de resistência urbana diária, descompromissado com resultados, mas sim com a própria luta, com que tanto me identifico, mas também a possibilidade de trazer um número enorme de usuários para o debate e, quiçá, para o apoio da próxima manifestação em prol da democratização do direito de ir e vir.

Que venham mais lembranças deliciosas da nossa arte como essas e que os liberticidas do negócio bilionário que expõe o carioca a uma agonia diária para se locomover continuem batendo cabeça para saber quem é o subversivo dos cartazes. Viva a zoeira! 


* * * *

Se a obra de Cildo Meireles te deixou curioso, seguem alguns links:

http://cildomeireles.blogspot.com.br/

http://up-arteconceitual.blogspot.com.br/2011/06/obras-brasileiras-cildo-meireles-nasceu.html

http://tiajanaprof.blogspot.com.br/2012/05/coca-cola-incendiaria-de-cildo-meireles.html

http://livroseafins.com/a-coca-cola-incendiaria-de-cildo-meireles/
   

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A terra bárbara da Pensilvânia

Reprodução da capa do album Crime of the Century, Supertramp
Recentemente fui surpreendido por uma postagem na minha timeline feita por uma amigo virtual americano (*adoro a globalização e o intercâmbio de ideias que ultrapassem nossas fronteiras). Segundo a notícia, os policiais do Estado da Pensilvânia, graças a uma recente decisão judicial, não mais precisarão de mandado judicial para revistar o carro de alguém. O cara estava consternado e se dizia aviltado. 

Mais do que surpreendente, tal notícia é um tapa na cara daqueles que se utilizam dos Estados Unidos como exemplo de leis duras e de políticas policialescas enérgicas. O que dirão os americanófilos ao saber que tudo funcionava "perfeitamente" lá, mesmo diante da necessidade da polícia precisar de um mandado judicial para a revista de um veículo? Será que a Pensilvânia, antes dessa decisão, era uma terra bárbara, onde bandidos se escondiam por trás do excesso de garantismo? Ou será que, na verdade, a supressão de requisitos para abordagem policial não seja tão relevante para o controle da criminalidade?

Talvez essa notícia demonstre que, finalmente, o Estado da Pensilvânia está no rumo certo. No entanto, se estava no rumo errado ao exigir mandado judicial para revista de automóveis, me pergunto, por que a Pensilvânia, até hoje, não estrela os noticiários que enaltecem o barbarismo?

Será possível que os EUA tenham sido dominados pelos defensores de bandidos? Se for o caso, a notícia mostra que essa dominação se deu há muito tempo e que, talvez, existam defensores da marginalidade em todo o lugar do mundo, mesmo na meca da prosperidade mercadológica.

Para quem acredita no rigorismo americano como padrão, talvez o Estado da Pensilvânia seja apenas um hospício. Para os que demonstrarem curiosidade sobre o sistema legal americano a realidade será outra: por lá, não há padrão.

Curioso que no País onde os bandidos não tenham moleza, os residentes do Estado da Pensilvânia criem polêmica em torno de algo que aqui é mais do que corriqueiro: a revista policial de um carro.

Fui parado em blitz durante boa parte da minha vida. Agora que ostento rugas e cabelos brancos, fiquei com cara de gente de bem, pouco sofro com isso, mas durante todo esse tempo sempre encarei a revista com naturalidade, afinal, aquilo era um reflexo cotidiano do poder de polícia.

Fosse a proposta de obrigatoriedade a mandado prévio para revista de um veículo privado levada a uma das Casas do Povo por um político de esquerda, provavelmente os coxinhas gritariam contra essa esquerda maldita, que tem peninha de bandido, para, logo depois, louvar a seriedade americana.

Caso, por exemplo, se realizasse uma fiscalização intensa para se averiguar se a revista ao veículo foi verdadeiramente autorizada pelo seu proprietário, na certa iriam dizer que os esquerdopatas defensores de bandido querem dificultar o trabalho da polícia.

Mal sabem eles que esse tipo de fiscalização é realizado por meio de câmeras na maioria dos Estados americanos e há muito tempo.

Caberia, ainda, o velho argumento de que quem não deve não teme e que a tentativa de restringir a verificação de quem é bandido nos centros urbanos seria, logicamente, coisa de quem admira o "direito dos manos".

Por outro lado, a notícia expressa, ainda, o equívoco do discurso daqueles que simplesmente taxam a legislação americana de neofascismo. O estereótipo (seja de exemplo a ser seguido ou evitado, de forma incondicional) é descabido devido à alta autonomia dos Estados americanos em relação à sua legislação. Não é à toa que Colorado e Washington legalizaram a Cannabis e  a Califórnia está bem perto disso, enquanto outros Estados, de maior influência conservadora, não querem sequer discutir o assunto. Do outro lado da corrente, alguns Estados americanos ainda mantém normas arcaicas,  moralistas e algumas que, devido à sua distância da realidade cotidiana, são inexequíveis.

Por esse simples dado é possível que se avalie a dimensão da ignorância daqueles que, ao compararem as leis americanas e brasileiras, conservam em sua opinião a nossa forma de Federalismo, que, visivelmente, é muito distinta da do americano.

Não pretendo discutir aqui se deveríamos seguir o modelo americano ou não, seria leviano fazê-lo sem que fosse através de um trabalho acadêmico muito bem composto, que avaliasse causas e conseqüências e, ainda, as gritantes diferenças sociais e culturais dos dois países. O que pretendo expor é a diferença dos fatos para os discursos simplistas, tanto dos que acusam os EUA, de forma generalista, de ser uma nação de Leis excessivamente rigorosas, quanto aqueles que acham que é exatamente por isso que eles são "a maior nação do planeta".

Não acho descabidas as comparações entre as normas utilizadas pelo poder constituído de cada País, o que acho descabido é o simplismo que deixa escapar que nos EUA, enquanto um Estado corresponde ao discurso conservador, outros se opõem de forma sistemática a ele.

A Califórnia, novamente como exemplo, recentemente permitiu que imigrantes ilegais se candidatem ao cargo de policiais. Quando estive por lá, no ano passado, já notei essa tendência californiana de diálogo com os ilegais, ao ler em um jornal local que o Governador daquele Estado considerou como atentatória à liberdade individual o envio de dados para os serviços de imigração dos imigrantes ilegais que estivessem envolvidos em pequenos delitos.

De acordo com o Governador californiano, a simples expulsão, baseada em pequenos delitos, apenas estimularia a mera troca da mão de obra ilegal, no lugar de tentar inserir os ilegais no sistema previdenciário americano.

"Nossa economia depende dessa mão de obra e não podemos simplesmente utilizá-los como simples matéria prima humana. Temos que tirá-los da margem da sociedade americana." Concorde-se ou não com a afirmativa, com certeza o Governador da Califórnia demonstra que há diversidade de discurso, mesmo em um país onde, politicamente, a esquerda não teria vez.

Acho que compreender as diferenças normativas nos Estados americanos é não só um exercício de civismo, mas uma ótima forma de reflexão para soluções que aqui acabam sempre no telequete eleitoral estrelado pelo sectarismo.

Um país que muitos consideram como habitado por direitistas ou direitistas disfarçados que se dizem esquerdistas é um ótimo parâmetro de observação para a composição de diversidade ideológica, já que, como aqui e como em qualquer lugar do mundo, as tendências se opõem e se criticam. Talvez o caro leitor continue achando que a esquerda americana é direitista, contudo, notar as diferenças dos discursos antes de aplaudir ou vaiar é o primeiro passo para entrar na área cinza da política e entender que por mais que se tenha diferenças culturais ou políticas sempre teremos um lado para o qual direcionar nossa participação. Isso é uma ótima lembrança para as próximas eleições...


Se você ficou curioso sobre a notícia postada pelo meu amigo virtual americano, segue o link: http://thefreethoughtproject.com/pennsylvania-cops-longer-warrants-search-vehicles/

Eis um exeplo de leis americanas no mínimo curiosas: http://super.abril.com.br/cotidiano/leis-absurdas-442600.shtml

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O Júbilo, o mito e o constrangimento.


Foto: Django Unchained, do Tarantino

As recentes declarações do candidato tucano em defesa da redução da maioridade penal como meio de "acabar com a sensação de impunidade que reina no País" trazem mais uma vez o importante debate sobre o tema.

Em relação  ao discurso ilusório em defesa da redução da maioridade penal cito dois ótimos textos ao final e por isso peço licença para me desviar do assunto.

Já manifestei nesse espaço o que considero o mito da impunidade, por meio do texto Pedrinhas no sapato dos sanguinários (http://vmucury.blogspot.com.br/2014/01/pedrinhas-no-sapato-dos-sanguinarios.html ), contudo, provocado pela inconsequente declaração do último colocado do G-3 eleitoral, faço mais uma reflexão relacionada ao assunto.

Identifico três personagens nessa questão relativa aos justiceiros, os arautos do desejo de parte da sociedade civil de se defender das consequências de nossa legislação "favorável" à bandidagem. O júbilo desumano, o mito do brasileiro sangue bom e o constrangimento dos que defendiam aquilo sem pensar e depois se tocaram que, de fato, os comunistas podiam ter um milionésimo de razão, já que uma moça de bem, casada e com dois filhos foi assassinada barbaramente, através do mesmo tipo de julgamento sumário que se deu sobre o menor infrator, marginalzinho que atuava no aterro do Flamengo, que foi amarrado nu ao poste, nos relembrando dos antigos pelourinhos do Brasil escravocrata.

Qualquer forma de repúdio, mesmo que fosse em favor da punição da criatura de acordo com a lei, era vista como simples peninha de bandido. Os reacionários raivosos babavam para qualquer alma, não caridosa, mas civilizada que repudiasse aquele vigilantismo. Como exemplo, destaco que vi um cibercomentarista que defendia a urgente redução da maioridade penal - para que os marginaizinhos fossem presos o mais cedo possível - ser repelido e chamado de hipócrita, leniente e várias coisas piores por centenas de pessoas. Para os seus histriônicos ofensores a única solução aceitável era a morte com requintes de crueldade.

As pessoas não podiam ser calculistas e exigir o isolamento de um adolescente de 15 anos por um sistema que praticamente já o pune como um adulto. Que o aprisiona dentro de um gueto marginalizante que irá se reproduzir quando ele se tornar adulto. A pena estatal de prisão, agravada pelo estigma social e pelas condições de instalações absolutamente inadequadas, será inevitável, se ele der sorte quando for adulto. Para outros desses agraciados pela menoridade penal com menos sorte, a pena social da morte é o destino, antes ou depois de se tornar adulto e apto ao "justo" encarceramento.

A verdade é que com a política carcerária que temos, pedir o cumprimento da Lei com a apreensão do menor e a prisão do maior, nada mais é do que ser calculista, verdadeiramente calculista por sabermos que ser ordeiro é condenar o pequeno ladrão a uma pena muito pior do que o tempo de cadeia.

Comemorar e enaltecer aquele ato bárbaro era necessário, era necessário o júbilo. O júbilo pelo sofrimento daquele ser repulsivo unia um pensamento extremamente conservador, fruto da eterna política do medo como combustível de consumo. As pessoas acham que estão sendo enérgicas, que estão sendo valentes e lutando contra aquela ameaça, no entanto, a minha leitura é que aquilo expressa um medo extremo, neurótico. O medo nos torna desumanos, insensíveis, o sentimento humano de amor próprio, assim como pelos próximos, gera o desejo desumano de ver aquela ameaça acorrentada, humilhada e melhor seria se fosse morta. Somos um paradoxo incompreensível.

Vi um comentário que falava em solução final para criminalidade nas nossas cidades ser curtido por um número enorme de pessoas. Sim, o brasileiro com acesso à T.V., internet, smartphone e tablet falou em genocídio com uma naturalidade aterradora.

Dentre as mais famosas vedetes da barbaridade podemos citar a moça loira, nova, bonita, casada, mãe e conceituada profissional do SBT, que desferiu todos os chavões fascistas possíveis nos poucos segundos em que expôs sua "iluminada" opinião. Reconheço que é preciso talento para a façanha e não à toa, foi tratada (e ainda é) como um oráculo.

Os defensores dos bandidos, esses malditos terroristas esquerdóides, deveriam levar o marginal para casa, afinal, a omissão estatal justificaria a atuação precária e amadora dos vigilantes. Falta polícia, despimos, batemos e prendemos no poste. Falta comida e abrigo, os esquerdistas que os sustentem com seu dinheiro.

Pena que essa lógica direta de substituição estatal não foi empregada na sujeirada resultante da greve dos garis no carnaval. A histriônica mocinha poderia chamar seus fiéis a obrigar os ébrios, sob chicote, a catar latas de cerveja na rua.

O velho mito da cordialidade brasileira cai ali. Mais uma queda, dentre todas as outras que sofre diariamente quando furamos as filas, não respeitamos os assentos preferenciais, quando dirigimos como loucos numa disputa milimétrica de segundos em cidades completamente engarrafadas.

Essa semana observei estarrecido um cidadão em um carro zero, dos mais modestos, desses de R$ 50.000,00, buzinar furiosamente para um guarda que segurava o trânsito, apesar do sinal verde, para desafogar um desses milhares de cruzamentos entupidos de carros. Quando dirijo, noto que é cada vez mais natural uma ou duas buzinadinhas rápidas assim que o sinal abre, provavelmente uma forma neurótica de avisar que o sinal abriu. Cada vez que tento sair da minha garagem sou ameaçado com aceleradas que tentam me bloquear, mesmo quando o sinal, que fica distante vinte metros da saída do meu prédio, está fechado. Acho que de todos os solos escorregadios, o trânsito do Rio deve ser o lugar onde o mito da cordialidade brasileira mais leva tombo.

O constrangimento, que pouco mencionei, veio quando explodiu a notícia de assassinato, sob tortura, de uma mulher que pensaram ser sequestradora de criancinhas. Um silêncio ensurdecedor por parte de todos os que defenderam aquela barbaridade denuncia esse constrangimento, cuja dedicação deste texto é tão escassa quanto a sua ocorrência no nosso convívio social.

O júbilo é constante, já que a violência é sempre notícia, o mito cai todo dia, porque o brasileiro, mesmo (e, talvez, principalmente) a elite, é extremamente mal educado, mas o constrangimento é sempre momentâneo. Quando a notícia esfria, ele acaba. Se é para ser radical, para cada risada e comemoração de atos de justiceiros deveríamos prender um cadáver sobre a TV das pessoas. Quem sabe se dessa forma o constrangimento se torne constante? Se não conseguimos ser humanos por solidariedade, que sejamos por constrangimento, a única coisa que nos resta em uma sociedade em que é vergonha ser pobre, mas ser bruto não.

Outras Palavras comenta aumento de pena para menores: http://outraspalavras.net/blog/2014/05/18/aumento-da-punicao-unico-investimento-nos-adolescentes/

O craque Marcelo Semer que, com muita propriedade e experiência, também comenta os equívocos sobre a redução da maioridade penal: http://blog-sem-juizo.blogspot.com.br/2013/01/reduzir-maioridade-penal-e-equivoco.html

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Caso Aranha: apenas racismo?


O racismo expressado por vários torcedores do Grêmio (e não apenas pela única flagrada e flagelada) expõe as entranhas de nossa sociedade, isso apesar do grito conservador constante de que o brasileiro não é racista e que o problema se resume a coitadismo.

Ora, é racista sim, isso ficou mais do que evidente. Simplesmente não compro a balela de que a expressão "macaco" não possuía cunho racista. Nada mais racista do que isso. "Macaco" sempre foi o derradeiro recurso ofensivo dos racistas e possui o óbvio objetivo de depreciar a etnia e ligá-la a um degrau mais baixo da evolução.

Escolhido o bode expiatório, a descabeçada menina que diz que o Grêmio é sua paixão e tenta, entre choros e soluços, ligar seu fanatismo futebolístico à lamentável conduta que produziu, deixa escapar a sociedade a necessária reflexão, afinal, o brasileiro não deve se arrepender após ser racista, mas sim defenestrar definitivamente esse comportamento que já humilhou e matou tanta gente, que já negou oportunidades e já condenou uma enormidade de brasileiros à pobreza e à marginalidade.

Qual morador branco da Zona Sul do Rio (e inclua aí qualquer outra área nobre de qualquer cidade) nunca foi racista? Qual de nós nunca fez um comentário desagradável ou uma brincadeira idiota de cunho racista? A questão verdadeira é: quantos de nós procuram nunca mais fazer isso na vida? Quantos de nós ainda precisam se policiar e, se precisam, procuram fazer isso? O que estamos ensinando aos nossos filhos?

Inocentes são os que acham que o racismo, ainda hoje, não se reflete na condição social da juventude negra.

Na web, não faltaram acusadores, cobertos de razão, pois o repúdio público é necessário. Logicamente, raras foram as manifestações de solidariedade à torcedora. Vi uma matéria em que se afirmava que ela não era racista, já que possuía amigos negros, que não tardaram a defendê-la. Uma outra destacava uma imagem da menina, enquanto trabalhava junto à população pobre, o que seria uma comprovação de que o ato foi apenas um acidente de percurso. Vi um texto, cujo link está abaixo, no qual se faz uma longa narrativa sobre os motivos pelos quais o goleiro teria sido chamado de macaco que, segundo o gremista autor, não possui qualquer relação com racismo.

Eu não estava no estádio, não posso afirmar se, de fato, a torcida foi racista, mas, após ler o texto noto que, na realidade, a expressão é de fato injuriosa, depreciativa e, conforme nossa própria história demonstra, constantemente ligada ao racismo. O simples fato de se chamar um indivíduo de macaco remete ao racismo da expressão, à tentativa de depreciar o alvo da injúria que, mesmo não sendo negro, merece ser ofendido como um. Ainda que a torcida gremista não se muna de racismo ao entoar a expressão, entendo que a conduta deveria ser evitada, afinal, sabe-se lá quantos torcedores, de fato, lembrem da narrativa histórica gremista ou apenas dão vazão ao seu preconceito.

Ainda que a expressão não seja racista, ainda que a menina não seja racista, nada disso apaga a estupidez de certo tipo de torcedor de futebol, que, em bando, se porta como um babuíno enfurecido (macacos?). Grita, faz pose e grunhidos junto com seu bando (macacos?). Se movimenta em transe, se aperta, se espreme, se empurra (macacos?). É capaz de partir do regojizo ao ódio instantâneo e brutal ao grupo rival (macacos?). Afinal, acho que Luciano Huck, em sua campanha parasitária, tinha razão, somos todos macacos.

O lamentável ocorrido nos trouxe a oportunidade de não só refletir sobre  o racismo, presente nos estádios de forma corriqueira, afinal, esse não é o primeiro nem será o último episódio em que torcedores de futebol se portam de forma racista, que o diga o jogador da seleção que comeu uma banana em campo, mas de repensar a forma pela qual torcemos.

É mais do que evidente a necessidade de revisão da atitude dos torcedores que vão ao estádio. O racismo, presente ou não no episódio (deixo isso pela consciência de cada um) é apenas mais uma faceta do comportamento em manada que toma conta do torcedor que, não raro, se sente protegido pela turba. Dessa vez temos o racismo ligado ao negro, mas de chavões preconceituosos as arquibancadas estão cheias! Viado e paraíba, talvez sejam tão constantes quanto macaco ou crioulo. Depois vem o puta ou piranha, normalmente reservado às moças incautas que passam perto da torcida rival ostentando o uniforme de sua preferência e por aí vamos descendo uma triste escadinha de pura ignorância.

Dessa vez chamaram o cara de macaco. Mas quantas vezes esses mesmos torcedores não agrediram seus rivais? Às portas da copa do mundo tivemos um evento desses. Quantas mortes já tivemos devido à estupidez de futemaníacos que acham que seus times são a coisa mais importante do mundo?

Pessoalmente, acho patológico que alguém se deprima, brigue ou até mesmo se ofenda com futebol, contudo, o fenômeno é tão constante no Brasil que eu devia ter medo de expressar isso. Num país em que a hombridade é medida pela possibilidade de virar a casaca e que indivíduos escolhem suas amizades baseadas no time de futebol, não me parece estranha a possibilidade desses mesmos torcedores se agredirem e se matarem.

Desde quando a paixão e a emoção se converteram em obsessão e fanatismo? Desde quando a galhofa e a rivalidade se tornaram ódio e insensibilidade? Não podemos mais usar nossos estádios como via de escape para recalques e preconceitos. 

O racismo e a agressão física, na realidade, são apenas lembranças da crueldade extrema que comumente habita a mente do torcedor, enquanto se dedica ao esporte que ama. Já vi, por exemplo, aqui no Rio, torcidas rivais criarem cantos para fazer chacota de um lamentável acidente que vitimou a torcida do Flamengo: Nada mais gostoso que cair da arquibancada, Raça Fla, ja experimentou! A galhofa pode ser saudável, o prazer pelo sofrimento alheio jamais será. A torcida do Flamengo não é santa, já se utilizou desse tipo de coisa, esse é apenas um exemplo. Eu sei, também, que a musiquinha é velha, mas não tão velha quanto a crueldade do torcedor de futebol.

A verdade é que acontecimentos lamentáveis envolvendo torcedores vêm se repetindo, há tempos incontáveis e é a hora de, no lugar de tratar tais fatos como meras exceções ou escolher um culpado, civilizar os estádios, isso se o mito do brasileiro cordial permitir...


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A "verdade" sobre o "macaco": http://gremio100mil.blogspot.com.br/2014/02/o-porque-do-macaco-verdade-sobre.html

Ótima reflexão sobre a cultura do bode expiatório: http://andreluizvbtr.blogspot.com.br/2014/09/patricia-moreira-e-institucionalizacao.html?spref=fb

domingo, 24 de agosto de 2014

Autoridades doutrinadas

Foto tirada da Wikipedia
Um certo astrônomo, que se diz filósofo, guru de certos expoentes midiáticos, os quais prefiro denominar de cães raivosos de mente anacrônica, constantemente denuncia a doutrinação marxista em nossas universidades.

Logicamente, escondido em sua caverna em território americano o astrônomo há muito não deve frequentar os corredores de algumas instituições brasileiras de ensino superior, se é que já frequentou qualquer corredor acadêmico em sua vida.

Aqui no Rio cito, por exemplo, o IBMEC, que não me parece apresentar qualquer influência da tal doutrinação marxista acadêmica. Contudo, tal circunstância pode ser observada em várias instituições pelo Brasil afora o que torna as histriônicas acusações do astrônomo uma evidente falácia.

Não bastassem as instituições que, sabidamente, rogam por uma agenda obviamente liberal, o que, por si só, já afasta a tal falácia do marxismo acadêmico, noto, no corpo docente de várias instituições que frequentei, não só para estudar, mas também para os mais variados eventos, um verdadeiro mosaico ideológico, típico de qualquer democracia.

Minha pós graduação (CCE - PUC-RJ), por exemplo, apresentava professores das mais variadas posições, desde aqueles que rogavam pelo enaltecimento do princípio da dignidade da pessoa humana e pelas compensações normativas diante do evidente poderio econômico dos grandes players do mercado frente ao cidadão até os que acreditavam em uma sociedade estritamente liberal e se mostravam um tanto quanto saudosos da influência da autonomia da vontade e, evidentemente, do alto poderio financeiro nas relações sociais.

Não notei má intenção em nenhum deles, mas tão somente as mais variadas visões e opiniões que permitem ao aluno, caso reflita e estude, formar um posicionamento embasado frente aos nossos dilemas sociais. Não faltam ao aluno interessado elementos para a formação de sua convicção, qualquer que seja ela. Logicamente, isso não funciona quando a criatura, de forma preguiçosa, se restringe aos histriônicos colunistas da mídia corporativa, cujas posições, caso observadas em companhia de um estudo prévio sobre as matizes políticas que dizem defender, se mostram enganosas, simplistas e contraditórias.

Os que acreditam, por exemplo, que o posicionamento radical dos discípulos do pretendente a filósofo representam a doutrina liberal, obviamente não estudaram o fenômeno.

Assim, evidente que o tal marxismo acadêmico é tão presente quanto o neoliberalismo e o liberalismo.

As várias autoridades que têm chamado para si os holofotes da repressão liberticida, todos detentores de diploma universitário, me parecem trilhar justamente o caminho inverso do marxismo, o que leva à justa pergunta: se nossas faculdades são dominadas por marxistas, onde estas autoridades estudaram? O que costumam ler? Que ideia fazem de uma sociedade justa? Não tenho resposta para isso, mas assisti fatos que demonstram que não há qualquer identidade com a luta de classes ou a universalização de direitos.

Meu espanto começou quando o comediante Rafucko anunciou que estava sendo intimado para prestar esclarecimentos devido às denúncias deflagradas por um dos aríetes do direitismo radical da revista Veja. Segundo o colunista, o comediante deveria ser investigado eis que estaria se utilizando de um manequim roubado da Toulon para fazer seu trabalho.

A resposta de Rafucko revela, não só a sandice a que a autoridade policial chegou, mas também a forma preguiçosa de trabalhar, eis que a mera observação do vídeo que teria dado origem à denúncia do cão raivoso demonstra que o manequim utilizado pelo Rafucko seria completamente diferente daqueles roubados da boutique depredada (que, relembre-se, foi condenada por utilização de mão de obra em condições análogas a de escrivão, fato que levou à radical ação destruidora).

Lamentável, assim, não só que a autoridade policial perca seu tempo lendo as sandices reacionárias do colunista, mas também que, ao trabalhar de forma preguiçosa e sem se aprofundar minimamente em sua investigação movimente a máquina administrativa sem motivo e intime um cidadão, tão cidadão quanto o reacionário sustentado pela Veja, à sua presença sem justo motivo. Preguiça mesmo? Ou apenas subserviência à ira conservadora? Acredito na segunda hipótese.

Não posso acreditar que a autoridade policial, detentora dos mais variados artifícios de investigação, não tenha acesso aos veículos de mídia independente que, claramente, demonstraram que não havia qualquer receptação criminosa no trabalho de Rafucko. O acesso a esses veículos é livre e irrestrito, suas publicações pululam de forma pública e constante, bastava ter o interesse de verificar.

Fora isso, o simples acesso ao site do comediante deixaria claro tal fato, o que me leva a crer que Rafucko foi intimado para depor devido a evidências obtidas única e exclusivamente através da Veja.

Infelizmente, tal comportamento foi reproduzido, por no mínimo duas vezes, o que me leva a crer não em um caso isolado, mas em uma doutrinação extremista a povoar a mente de nossas autoridades.

Uma delas, obviamente, se trata do teor da denúncia deflagrada pelo Ministério Público contra os "líderes" da baderna. Os trechos da denúncia que passaram pela minha timeline são arrepiantes. A luta contra o sistema vigente se torna uma evidência e conduziria à necessidade de investigação.

Não só os variados veículos que se pautam pela ideologia dos "líderes black blocs" são citados de forma generalista, mas também coletivos virtuais de cunho cultural e de entretenimento. Ao que parece, para nossas autoridades, basta ter um cheirinho de alternativo para que o indivíduo ou coletivo se torne suspeito. É o velho preconceito, a visão simplista que leva à revista constante do jovem negro, do cabeludo com cara de hippie, mas deixa passar o engravato com os bolsos lotados de papelotes de cocaína.

A acusação de quadrilha armada foi feita com base na arma particular do pai de um dos acusados, encontrada no ato de sua prisão. Armação, pura armação! Na falta de provas concretas, nossa ditadura cabralóide exuma técnicas de criminalização que, até então, se restringiam aos favelados.

O sectarismo, como não poderia deixar de ser, propaga a ignorância, ignorância esta que, ao final, veio a dar um tom tragicômico ao inquérito, eis que até mesmo o histórico anarquista Bakunin, falecido há várias décadas, se tornou objeto de investigação.

Não basta ser reacionário e conformista, é preciso cair no ridículo.

Outro fato estarrecedor se trata da negativa de liberdade provisória (decisão já revertida) ao ativista Fábio Hideki, de São Paulo.

Em sua decisão, o magistrado mencionada que Fábio e sua trupe, apesar de se dizerem contrários ao capitalismo, usam tênis Nike e I Phone, comportamento típico da "esquerda caviar".

Lamentável, assim, não só o sectarismo e a ignorância política do magistrado, que, pelo jeito, atribui a quem quer que conteste a nossa plutocracia a necessidade de pobreza,  isolamento social e mercadológico absolutos, mas também a comprovação de que é admirador do mais simplista e desonesto colunista da Veja.

Para o magistrado, provavelmente, os desvalidos que se virem, já que jovens de classe média que possuem, felizmente, dinheiro para se vestir e para adquirir um bem de consumo que hoje é algo trivial até mesmo entre as classes menos favorecidas, não têm o direito de clamar por igualdade e distribuição de renda. São hipócritas, falsos rebeldes, que no lugar de lutar por igualdade de direitos deveriam se restringir ao conformismo covarde que constrói os muros da separação social.

Cada macaco no seu galho! Os pobres que se batam com a polícia, com o Estado repressor e classista, já a classe média, obviamente, deve se ater aos seus problemas, se trancar em casa, blindar seu carro e ler a Veja!

Lamentável, assim, não que nossas autoridades sejam conservadoras, neoliberais ou liberais, mas que sejam radicais, sectárias e não tenham as mínimas bases para compreender a atuação de indivíduos que comunguem de ideias comuns em uma democracia.

As origens para esse comportamento são complexas. Mas a principal delas se deve à forma de acesso aos cargos de autoridade. Óbvio que o atual sistema, que exige dos candidatos anos de estudo em horário integral, afasta aqueles que, apesar de terem acesso à universidade, precisam se sustentar e não têm a chance de se manter em casa durante oito horas por dia para estudar.

Sinceramente, não conheço um sistema mais justo do que uma prova difícil, que obrigue o candidato a se dedicar. Embora a distorção aqui citada, que gera uma evidente elitização dos cargos de autoridade, seja de difícil reversão, confio que políticas de acesso às melhores universidades aos mais variados estratos sociais possam, com o tempo, reverter isso.

O incentivo à atuação científica, o livre acesso a material didático e, ainda, a obrigação de real experiência na profissão nunca se tornaram tão urgentes.

Espero que as cotas tragam um colorido diferente aos nossos gabinetes e que esses Juízes, no lugar de exumar sua histeria covarde frente ao ladrãozinho que sempre temeram, observem com mais cuidado os motivos e as circunstâncias que o levaram ao banco dos Réus. Que, no lugar de presumir a veracidade do trabalho de uma polícia que possui não só comportamento seletivo, mas também desonesto ao forjar provas ou criar circunstâncias para avolumar condenações, como se se portassem em um jogo onde tudo o que vale é o score (o tamanho da pena), inquiram, desconfiem e, se for o caso, condenem com isenção e imparcialidade.

Cá pra nós, um juiz que diz que black blocs são oriundos da esquerda caviar não é isento para julgar o caso, na verdade, não é isento para julgar qualquer caso que traga as diferenças sociais de nossa sociedade.

Precisamos, cada vez mais, de autoridades que tenham estado do outro lado e não trancados dentro de um apartamento com pavor do povo e, se não estiveram, que se munam de um mínimo de reflexão e imparcialidade, que compensem nosso sistema judiciário classista através da reflexão dos efeitos sociais da condenações que proliferam e entendam que  seu trabalho se reflete, diariamente, na forma de viver de todos os brasileiros.


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Destaque: manifestação de Rafucko quando chamado á delegacia: https://www.youtube.com/watch?v=hS8itzSy8IY

Rafucko comenta o caso em seu blog: http://rafucko.com/2014/04/25/rafucko-entrevista-policia-civil/

Outros links de interesse:

http://www.brasilpost.com.br/2014/08/07/fabio-hideki-livre_n_5659575.html

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-07-12/delegado-diz-que-presos-pretendiam-cometer-atos-de-depredacao-na-final-da-copa.html

http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/quem-e-o-juiz-que-chamou-black-blocs-de-esquerda-caviar

Update de 15.09.2014, a realidade de injustiça social que envolve os concursos públicos: http://economia.ig.com.br/carreiras/2014-09-15/concurso-publico-e-uma-maquina-de-injustica-social.html



sábado, 24 de maio de 2014

Impasse na Oposição de Esquerda

Fonte: http://creationsjourneytolife.blogspot.com/2013/04/day-352-occupy-wall-street-and.html
A fase de pré-campanha às eleições me mostra dois universos distintos. De um lado o telequete eleitoral entre PSDB e PT, com direito a algumas cadeiradas de Campos e Marina. O PT briga na mídia tradicional através dos milhões em publicidade paga (inclusive com o tal filme que queria afastar o medo) e com seus blogs, apoiadores incondicionais do PT e que, recentemente, têm apresentado um sectarismo muito semelhante ao da mídia tradicional, que claramente apoia o PSDB.

Campos e Marina ficam como aqueles figurantes mascarados dos telequetes aguardando que um dos duelantes no ringue se aproxime das cordas para lhes desferir um golpe ou outro. Às vezes botam a cara no ringue, xingam um ou outro lutador e depois voltam à sua posição de coadjuvante oportunista de qualquer chance de atenção.

Já a oposição de esquerda, completamente ignorada pela mídia tradicional, dá uns tapas através de publicações independentes e de uns poucos que têm vez na mídia tradicional, como Jean Willys na Carta Capital, e se atrapalha. Se atrapalha de forma lamentável.

A polêmica sobre a candidatura de Vladimir Safatle demonstra que enquanto não possuir mais inteligência, continuará ignorada pela grande mídia, exceto nos momentos em que manchetes "disse me disse" acusam deputados e na exploração do que já foi anunciada pelos grandes jornalões como uma crise no PSOL.

Obviamente, primeiro vi pelos sites mais tradicionais que Vladimir teria se irritado com a sua substituição para a candidatura do Governo de São Paulo e teria feito várias ameaças. Pelas notícias da mídia tradicional, haveria um impasse sério e até mesmo possibilidade de racha no PSOL, já que o nome escolhido no lugar dele, o de Gilberto Maringoni, dividiria o partido.

Com meu habitual filtro, não levei aquilo muito a sério e fiquei ainda mais tranquilo depois de ver as explicações de Vladimir sobre a questão no youtube. Como sempre, a mídia alternativa, no lugar de botar palavras na boca dos outros, coloca a pessoa pra falar, o que foi exatamente o que fez Safatle. A divergência e a decepção de quem tem seu nome recusado para uma candidatura me pareciam aparentes, mas ele me parecia conformado e demonstrou respeitar a posição do partido, da qual também discordo.

Questão resolvida? Não sei. Li hoje no Pragmatismo Político que Luciana Genro, contrariada com a rejeição da candidatura de Safatle bateu o pezinho "democraticamente" e anunciou que poderia desistir da posição de vice-presidente da candidatura do PSOL caso Vladimir não fosse recolocado na posição de candidato ao governo de S.P.

A notícia  informa que as declarações irritadiças de Luciana Genro teriam ocorrido na quinta-feira, 22 de maio. A mesma data de postagem do vídeo que esclarece a posição de Safatle. Ao que me parece, Luciana Genro, em seu mimimi, se antecipou e comprou o barulho de quem já não queria mais confusão.

Parabéns pelo chilique inútil, querida (o "querida" não é ironia) Luciana. Nada como dar motivos para uma mídia que ignora os candidatos da oposição de esquerda, exceto quando os usa como alegoria para o regojizo dos conservadores, que ficam cada vez mais aliviados com essas trapalhadas.

Me pergunto se Luciana Genro, antes de fazer sua patetada, viu as explicações de Safatle. Me pergunto, ainda, se vai manter essa posição ridícula e antidemocrática, depois que as ver. Me pergunto, ainda, se essa posição intransigente ajuda, de alguma forma, a evitar a divisão do PSOL.

Novamente, teremos o "vale a pena ver de novo" das eleições melancólicas de outrora. A mídia sistêmica, como sempre, vai alimentar os lutadores que se acusam em uma campanha suja e simplesmente não expressam seus planos e projetos de governo. Já os opositores de esquerda, pelo que me parece, perderão a oportunidade de se utilizar de um dos momentos mais conturbados em nossa política desde 1989 para aumentar enormemente sua representação.

A sociedade civil, principalmente a juventude, cada vez mais, oferece armas para os progressistas. Os coletivos independentes se multiplicam, acadêmicos se organizam e se expressam, faculdades e professores organizam eventos. O aquecimento do debate dentro dos que idealizam mudanças além da troca de tecnocratas é óbvio. As armas estão aí, cada um luta como pode e quando se tem uma enorme desvantagem, há que se entender como usá-las.

Vladimir Safatle me parece saber utilizá-las. Infelizmente, o PSOL não o lançará candidato. Questão superada, a luta continua. Luciana, por favor, se preocupe mais com a sua campanha, pois os 1% de votos, raramente mencionados pela impren$a, precisam ser superados. Como Vladimir falou, demonstrando óbvio conhecimento do caráter global da insatisfação urbana: "Se representamos os outros 99%*, como podemos ter apenas 1% de pretensão de votos?" 


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Luciana Genro no Pragmatismo Político: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/luciana-genro-publica-carta-dura-ao-psol-sobre-caso-vladimir-safatle.html

A versão de Vladimir Safatle: https://www.youtube.com/watch?v=QeYVHYemLlk  

*Em sua entrevista, Vladimir Safatle demonstra a mesma opinião que eu sobre todo o vinagre na rua. Há efetivamente um rescaldo de um grito global que não deve arrefecer. "Os outros 99%" é uma expressão usada cotidianamente no ativismo Global, principalmente pelos mais variados coletivos que ostentam a expressão Occupy, um dos mais importantes fenômenos de resistência à tecnocracia plutocrática dos últimos anos. 

We are the 99%: http://en.wikipedia.org/wiki/We_are_the_99%25

domingo, 18 de maio de 2014

Reações sistêmicas antissistêmicas

Rafucko mandando o papo reto na Marcha da Maconha (foto roubada da minha amiga Bianca, advogada, ativista, voluntária e que vale por uma passeata)
Há muito que os vários atores da mídia independente denunciam a injustificável omissão dos órgãos públicos destinados à defesa dos direitos fundamentais em relação aos abusos policiais no trato com os manifestantes urbanos.

Aqui no Rio me decepcionei com o trabalho da Defensoria Pública que não bastasse ter se omitido em preparar plantões para defesa das prerrogativas constitucionais dos manifestantes (deixaram todo esse trabalho para as organizações voluntárias) ainda teve uma atuação no mínimo polêmica no episódio que envolveu a desocupação da Favela Telerj.

Continuo admirando o Órgão, que certamente atuará em sede judicial para defender os "vândalos", mas acho que em momentos singulares, deve-se fazer mais do que o programa de costume.

A polícia civil, ao indiciar os PM's responsáveis pela quebra das vidraças na D.P. do Catete demonstrou que não está pela democracia e sim pela proteção de sua instituição. A clara noção desse fenômeno me veio quando fiquei sabendo que o Rafucko* foi chamado a prestar esclarecimentos com base nas denúncias levianas de um dos mais radicais colunistas da Veja.

Tirando o episódio da vidraça, não vi qualquer disposição da Polícia Civil em investigar os mais variados atos de abuso de autoridade e violência desmedida quando da repressão às manifestações urbanas. O que não falta é prova para isso, agora, logicamente, elas não serão encontradas no denuncismo hipócrita e reacionário dos nossos jornalões. Espero estar errado, espero que, de fato, a Polícia Civil esteja investigando a violência policial, mas, nesse ponto, infelizmente, acho que estou excessivamente otimista.

Sinistramente, o Delegado de Polícia Orlando Zaconne, pertencente a uma minoria que defendia a justa investigação sobre o sumiço de Amarildo e uma das poucas autoridades a dialogar de forma lúcida com o grito urbano, foi indiciado em um processo administrativo para apurar crime de prevaricação, eis que teria comparecido ao evento no qual Rafucko entrega um prêmio a um manequim roubado da Toulon sem nada fazer.

As explicações no site do Rafucko demonstram claramente que não houve prevaricação, já que o manequim premiado era completamente diferente daqueles que estavam na vitrine da Toulon. Com ironia fina, o humorista e ativista avisa que são de famílias diferentes.

Lamentável, assim, que a máquina administrativa seja usada devido a uma denúncia leviana, com claros fins políticos, quando bastava à polícia fazer uma pequena pesquisa no site do acusado (!?). Talvez, a mídia independente ainda não tenha credibilidade para nossas autoridades. Isso nem é o pior, já que tudo que é novo causa estranheza, o pior é saber que a Veja tem credibilidade para a Polícia, logo a Veja!

Corre pelos corredores forenses, ainda, um boato (suspirado) de que o Desembargador Siro Darlan estaria sofrendo forte rejeição dentre seus pares por sua opinião em relação às jornadas urbanas começadas em junho do ano passado e que qualquer evolução de sua carreira dentro do Tribunal estaria seriamente ameaçada.

O Ministério Público, teoricamente o Fiscal da Lei, na época do DOI-CODI Cabralesco mostrou bem o lado que tomaria ao participar ativamente da comissão que implementaria este verdadeiro atentado à democracia e às liberdades individuais.

O nosso poder constituído, com o que acha ser um golpe de misericórdia ao grito urbano, vem exercendo toda sorte de pressão aos coletivos de advogados que defendem os direitos fundamentais dos desobedientes e aos mais variados acadêmicos que, com a curiosidade oriunda de quem observa os conflitos sociais, dão apoio filosófico para os revoltosos. Ao sistema não interessa que o Vinagre se mature e sim que se marginalize.

A tática de arapuca contra a garotada desobediente era óbvia e foi denunciada por vários atores da mídia independente, inclusive por este blogueiro chato. Assim, não me restou outra atitude senão a lamentável constatação de que a garotada estava sozinha, totalmente sozinha, tirando sua valente rede de apoio e que o poder constituído jamais faria qualquer coisa para garantir seus direitos fundamentais de liberdade (propriamente dita e de expressão).

Pressão por todos os lados, tiro, porrada e bomba, assim como sufocamento das redes de apoio pareciam ser uma tática infalível para acabar com a bagunça. Contudo, não é o que vejo. A rua continua aí, em todos nós, e eles ainda vão ter que engolir muita baderna.

Apesar desse cenário aterrador, algumas atitudes recentes de órgãos públicos e do sindicato de Delegados do Rio me deixaram mais esperançoso.

A primeira delas foi a ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo visando à reparação moral pelos incalculáveis danos causados pela ação policial psicótica na desocupação de Pinheirinho. A atitude pode parecer tardia, mas sinaliza, ao menos, uma reação em prol dos desvalidos.

Já o Ministério Público aqui do Rio, após um melancólico passeio de mãos dadas com nosso Governador, recentemente acusou o Secretário Estadual de Segurança Pública por crime de improbidade devido a fatos relativos à locação de viaturas policiais.

Provavelmente insatisfeito com seus caciques, o Sindicato de Delegados do Rio efetuou uma representação frente à Corregedoria Geral contra a chefe da Polícia Civil, também por improbidade.

Talvez os fenômenos mencionados aqui não tenham relação, mas acho que ajudam na luta, pois munição útil faz estrago.

O uso dos mecanismos do sistema para assegurar a defesa contra os seus abusos, ainda que de maneira isolada, é revelante e deve não só ser observado como explorado.

Fora isso, tais fatos demonstram que ainda há um discurso divergente ativo dentro do sistema e que a luta interna é tão importante quanto aquela praticada pelos "excluídos" (seja de representação ou dos direitos mais básicos para a dignidade humana). Quem sabe um dia não saiamos do topo do ranking de medo da tortura policial?

Os tecnocratas que tremam, porque até mesmo os sistema que garante seus privilégios pode oferecer resistência e muito efetiva. Ainda teremos muita oposição pela frente e mesmo com Copa, o grito "não vai ter Copa "nunca se mostrou tão digno de uma análise profunda. Aos que temem a mudança ou acreditam nela através da eleição de novos (ou antigos) tecnocratas, um beijinho no ombro.

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Rafucko é artista e comediante independente. Segue o site e dele e, se puder, contribua para seu talk show: http://rafucko.com/

Uol noticia a ação da Defensoria Pública de S.P.: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/03/19/defensoria-publica-pede-r-10-milhoes-para-indenizar-moradores-do-pinheirinho.htm

Notícia de O Dia sobre a ação do MP do Rio: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-14/ministerio-publico-acusa-beltrame-de-improbidade.html

Notícia de O Dia sobre a representação do Sindicato de Delegados: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-14/corregedoria-vai-investigar-ex-chefe-da-policia-civil.html

Finalmente estamos no topo de algum ranking, o do medo da tortura policial, por Pragmatismo Político: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/o-ranking-mundial-de-medo-tortura-policial.html


segunda-feira, 12 de maio de 2014

O terrorista perdoado


Votei em Fernando Gabeira para deputado federal mais de uma vez, independente do partido a que estivesse filiado. Na verdade, meu comportamento foi típico do leigo político que sou, que visa à cara do sujeito e não à conjuntura política.

Em uma época em que o Brasil era ainda mais conservador, eu achava que ele poderia levar discussões e debates importantes para o Legislativo. Lembro da primeira vez em que o vi pessoalmente. Ele fazia campanha para o governo do Estado e eu sequer tinha idade, mas tinha certeza de que votaria nele.

Foi um dos primeiros políticos que vi falar abertamente sobre homossexualismo, legalização da maconha, aborto e outros assuntos hoje considerados como da esquerda caviar. Era conhecido pela tanga de crochê na praia e chamado de viado maconheiro por todas as figuras autoritárias que passavam pela minha frente. Como não votar nele? Talvez tenha sido ignorância minha, mas, convenhamos, a diversidade de informação da mídia, na época, era inexistente.

Confesso que me desanimei ao vê-lo se aventurar a eleições majoritárias. Não só devido às estranhas alianças do PV, mas também, por que acreditava que ele faria muito mais diferença como parlamentar do que como pretendente ao Executivo. 

Gabeira teve a minha solidariedade no início do Governo PT, quando foi deixado horas por José Dirceu (que já dava sinais do fisiologismo antropofágico de seu partido) em uma sala de recepção e, depois, foi embora visivelmente abatido. Lembro que, na época, os conservadores se refestelaram, acharam uma graça danada e diziam que comunista era tudo traidor.

Não sei se ele se aventurará a novas eleições, seu programa em um dos canais da Rede Globo e blog me deixam a certeza de que ele anda bem ocupado, com um trabalho de qualidade bem superior ao que normalmente vemos nos grandes meios de comunicação, mas tenho certeza que não votaria nele.

Não entendo mais Gabeira. Isso não é uma reclamação: é uma constatação, simplesmente não sei mais qual é a dele e não posso votar em alguém cuja direção eu não compreenda bem. Seu blog menciona a Mídia Ninja, no texto que me parece alfinetá-los, ele fala em liberdade e parcialidade da imprensa, enquanto usa evidências da mídia oligopólica para insinuar roubalheiras e arranjos com o dinheiro público e praticamente ignora os vários outros coletivos.

Para quem acompanhou o debate trazido pela mídia ele poderia, para reforçar suas críticas, ter mencionado os outros coletivos, lhes dar espaço, no lugar de simplesmente taxar todo o trabalho feito com críticas que se referiam apenas ao Mídia Ninja. Poderia ter exposto os variados jornais e blogs independentes não governistas que também estão na rua e vivem à míngua e, quem sabe, aprimorar a cobertura independente.

Discordo, ainda, quando ele fala sobre a abrangência da mídia tradicional. Na verdade houve sim um comportamento pendular da mídia, que não deixou de se ligar nas redes sociais, contudo, ignorou, em seu texto, as incongruências perpetradas pelos grandes canais de comunicação, expostas pela garotada urbana como nunca visto antes. 

O texto de Gabeira sobre o Mídia Ninja é de agosto de 2013, uma época em que, embora houvesse muita atenção para o Mídia Ninja, vários outros coletivos que se colocavam (assumidamente) ao lado dos manifestantes já eram conhecidos. Qualquer interessado que não se resumisse à perseguição perpetrada na época pela grande mídia ao Fora do Eixo poderia ter conhecimento dos outros coletivos e poderia ter analisado, mesmo que também criticasse, o trabalho deles. O texto reproduz uma crítica corporativa à mídia independente. Para minha decepção, Gabeira não saiu do óbvio trabalho da mídia hegemônica.

Note caro leitor, que minha decepção não vem da posição adotada, mas sim pela adesão ao comportamento da mídia sistêmica sem nada acrescentar. Não vi qualquer novidade em seu texto e em uma realidade em que se discute tanto as multiparcialidades jornalísticas, esperava mais do meu ex-Deputado.

A crítica e o posicionamento não são estranhos a outros que possuem programas na Globo ou na CBN, são estranhos, na verdade, ao Gabeira que, antes, imagino, usaria seu espaço nesses meios justamente para afinar a crítica e trazer um discurso à esquerda dos que normalmente têm acesso à grande mídia.  Esperava algo mais do que mero moralismo e indícios, sem que fossem mostradas de forma satisfatória, as fontes de sua afirmativa sobre o mau uso da verba estatal.

Seus textos batem forte no P.T., quase que praticamente sem falar em qualquer outro partido, mas justamente nos mesmos assuntos tão deflagrados pela Mídia. O Blog, há tempos que se concentra em oposição específica e virulenta ao governo e repete as críticas e o foco de vários outros colunistas da mídia corporativa. Está no direito dele, mas para quem normalmente expunha suas ideias com maior profundidade e lucidez, Gabeira, mais uma vez, fica na repetição do que outros fazem e de forma muito mais apreciada pela direita raivosa.

Não vejo mais uma luta pela reforma e reflexão profundas de nossos valores. Gabeira, hoje, pelo que me parece, se limita à ecologia e repetição da Mídia que hospeda seu programa de TV, o mesmo foco, o mesmo teor de crítica.

Se o seu blog se baseia em oposição ao P.T. e eu não o vejo interagir com os movimentos de oposição que, hoje, estão ligados às causas que o fizeram me conquistar quando garoto, como localizar Gabeira no cenário político? Direita? Ou será centro-esquerda isolada? Talvez esquerda excêntrica, ou será esquerda caviar disfarçada? Talvez Gabeira seja uma cabeça de ponte progressista nas linhas de frente conservadoras. Talvez nem mesmo Gabeira queira se classificar e seja o mesmo enigma político para si mesmo que é para mim.

Gabeira, hoje, me parece fazer críticas mais apreciadas pelos que acham que o crime de ter feito parte da luta armada contra a ditadura é imprescritível, acho que no mundo coxinha, virou um terrorista light, do tipo que sequestrou um embaixador, participou de assaltos e pôs em risco a "segurança" garantida pela ditadura aos homens de bem, mas no fundo, também é gente de bem. O terrorista está curado e, se está curado, obviamente está perdoado.

Basta trabalhar pra Globo e desferir golpes contra o governo petralha comunista para ser um terrorista perdoado? Indago, então, o motivo pelo qual outros terroristas que, hoje, apesar de fazerem parte da oposição, continuam estigmatizados como meros defensores das atrocidades típicas dos regimes que adotaram a economia de Estado.

Será que ele continuará a ser perdoado se for à Marcha da Maconha? Ou será que o seu perdão será revogado se ele for flagrado na companhia de outros terroristas? Pelo que me parece, Gabeira é perdoado justamente por seu isolamento, pois em seu isolamento, Gabeira canta, mas não faz barulho. O jeito é continuar a escutar Gabeira cantar, na esperança dele fazer barulho. Espaço, inteligência e notoriedade ele já tem... 

sábado, 3 de maio de 2014

Criminosos e heróis

Imagem do artista urbano Dran

http://www.dcriativo.com/2014/05/street-art-dran-humor-negro.html

A histeria midiática, com a aproximação de nossas eleições presidenciais se intensifica. A maioria do tempo é destinado às mais variadas denúncias, que vão desde a mais recente investigação da Petrobrás até a já antiga perseguição a José Dirceu (tendo em vista a velocidade factual cibernética). Já as notícias de teor mais técnico, que sem qualquer detalhe explicam que a bolsa sobe quando Dilma perde popularidade, que o baixo nível de desemprego e a queda de informalidade, na verdade, não são relevantes e que a elevação da arrecadação é uma péssima notícia, fazem o trabalho político da Mídia com sutileza fingida.

O trabalho político, apesar de amargo, consigo digerir, o que não consigo nem mesmo engolir é o discurso de resgate moral da política brasileira. 

Segundo nossos vigilantes, o Brasil foi formado por marginais expulsos da Europa e a desonestidade estaria impressa no DNA do brasileiro. O povo tupiniquim é invariavelmente preguiçoso, desonesto e oportunista (o povo, logicamente, porque a elite, por mais que tente, não consegue colocar a "paraibada" na linha). Ora, diante dessa inegável e nefasta herança, como atribuir ao neto de Tancredo a responsabilidade pelo resgate da honestidade brasileira? Apesar de poderoso, Aécio ainda não possui poderes divinos e, cá pra nós, é neto de quem faleceu no PMDB, partido que, agora, faz parte da quadrilha "petralha".

O moralismo é uma arma conservadora muito antiga. Corresponsável pelo surgimento dos mais variados regimes radicais da extrema direita, o discurso óbvio da honestidade despolitiza o receptor da mensagem e desvia sua atenção para questões políticas que, apesar de supostamente marginais, deveriam servir como o critério mais importante para a escolha do candidato. A honestidade é obrigação e não plataforma e por mais que seja caricaturada pelos que foram passar vergonha na Marcha da Família, versão século XXI, tem sido um critério cada vez mais usado pelos conservadores que se dizem moderados e isso é mau sinal.

Foi exatamente com esse critério que nossos Oligopólios Midiáticos, na década de 80, ajudaram a eleger Collor de Mello, o herói, caçador de Marajás. Vejamos o destaque ao "herói", dado pela Veja: 


Vejam a imagem do herói: novo, bonito, fazia cooper, lutava karate (e, segundo diziam alguns, não só o japonês, mas o boliviano também) e o mais importante, era honesto. Deflagrado o processo de impeachment do "herói", cuja família possuía uma antiga relação comercial com a maior rede televisiva do Brasil, rapidamente seus antigos apoiadores o infectaram com a lepra política, transmutando seu apoio em intensa vigilância. Não esqueçamos, ainda, a Capa da Veja pouco tempo depois, enaltecendo a denúncia do irmão de Collor que, segundo alguns, foi motivado por ciúmes e não honestidade:


O filme hoje se repete, natural e monotonamente. Hoje, Collor é relacionado à figura de "Lulla", embora há quem afirme com toda a veemência que a família Collor continua no controle da emissora Global em Alagoas. A tentativa de ligar o Governo Federal à corrupção dos tempos colloridos, logicamente, passa ao largo da observação dos grupos políticos e midiáticos que o apoiavam e camufla o comportamento pendular da Mídia que escolhe aliados, adversários, heróis e vilões de acordo com seus interesses econômicos.

Os crimes do mensalão não podem ser esquecidos, nem seus criminosos, tudo é um escândalo, enquanto denunciam discretamente, isso quando o fazem, o estarrecedor fato de ser encontrada meia tonelada de cocaína no helicóptero da família de um deputado tucano. Políticos corruptos devem ser defenestrados, mas traficantes não, ao menos os ricos, já que os traficantes miseráveis do gueto merecem a morte com requintes de crueldade.

O tucano e seu helicóptero são perdoados, mas o jovem assassinado pela polícia em Copacabana, não, afinal, os colunistas tão repetidos pelos zumbis rapidamente trataram de mostrar que o tal dançarino, na verdade, era amigo de traficante. Será que alguns dos amigos do dançarino chegaria a vender um pouquinho daquela cocaína encontrada no helicóptero, caso o piloto, o óbvio e poderoso dono de meia tonelada de cocaína, não fosse pego? Vamos mudar de assunto, afinal, a corrupção está demais!

Como não poderia ser diferente, o discurso moralista raso se torna uma avalanche de chorume para os que, independente da matiz ideológica, analisam os fatos e não os comentários, sejam de internautas ou dos colunistas de nossos Oligopólios, verdadeiros arautos que, na verdade, reproduzem a opinião  de quem os remunera.
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A mais óbvia demonstração está no sadismo inserido na cobertura sobre a execução da pena de José Dirceu. Um sadismo esquizofrênico, bipolar e que não resiste à mais breve reflexão.

O mais radical e moralista veículo midiático brasileiro, ao acompanhar ferozmente a forma pela qual Dirceu expia sua pena (logicamente, em prol da moralidade), não se furtou à utilização de imagens obtidas de dentro do presídio, de forma obviamente criminosa, por um agente penitenciário que, conforme deveriam desejar as pessoas de bem, deveria ser punido por sua transgressão.

Não bastasse o ato violador, que, por si só, é digno de repúdio, a lógica capitalista externada por esta mesma Mídia nos leva à conclusão de que dificilmente aquele agente penitenciário obteve aquelas imagens por abrigar um senso de dever cívico.

Essa forma parcial de proceder (não só por abrigar determinada tendência partidária e ideológica, mas também por divulgar pílulas de informação) foi reproduzida na recente vistoria à cela de José Dirceu. As imagens, ilegalmente obtidas, foram, segundo algumas fontes da web, deflagradas por um assessor do PPS que, pasmem, sequer deveria estar ali. Coincidentemente, quase que instantaneamente as tais imagens de Dirceu na Papuda foram parar em um desses veículos conservadores, ou seja, novamente os zumbis midiáticos aplaudem um furo de reportagem obtido por meio de fontes ilícitas.

Imediatamente após a coleta fraudulenta de imagens, transferidas, sabe-se lá como e por quem, já que o assessor nega uma deputada que sequer entrou na cela de Dirceu se dirigiu a esta mesma mídia, para denunciar as regalias do petista, contrariando o relato de um deputado da oposição (Jean Willys), ou seja, que teria todo o interesse em defenestrar Dirceu, mas preferiu a verdade, preferiu, como dizem os zumbis, o caminho da moral e dos bons costumes.

Em momento algum se dá destaque ao relatório de Jean Willys, que, mesmo sendo da oposição, não serve porque é "comunista". Muito melhor é acreditar em quem diz que vê sem ver e em quem recorre a condutas ilícitas para obtenção de imagens.

Tal qual a argumentação sobre as origens do povo brasileiro, a incoerência me parece mais do que evidente, na medida em que a perpetração de crime, mesmo que para vigilância de corruptos (o estigma da moda), jamais se firmará como medida pela moralização do País.

Outro ponto curioso é que nossos vigilantes e legalistas midiáticos, apesar de gritarem por um sistema duro, aos moldes do que dizem que acontece na Europa "desenvolvida" e nos EUA, não se preocupam com o fato do Batman brasileiro simplesmente ignorar as normas vigentes para negar a Dirceu uma progressão de regime já impassível de discussão judicial.

A Mídia destaca a vistoria e as regalias na cela de Dirceu, mas o papelão do Batman, que senta em cima, ilegalmente, da questão pertinente à progressão de regime da pena do petista, que deveria ter o direito de sair para trabalhar como todos os outros, eles escondem. Santa vigilância!

Mais uma vez, nossos arautos da moralidade aceitam "pequenos" desvios de conduta em prol do bem comum: a defenestração dos corruptos e cinicamente reforçam a cultura que estaria impressa no DNA do brasileiro, aquela que justifica pequenos delitos, atitudes cotidianamente antissociais e, até mesmo, desumanas, tudo pelo jeitinho que tanto fingem execrar.

A Mídia, que há muito sabe disso, desvia a atenção dos zumbis, jogando cadáveres frescos. Enquanto isso, os zumbis continuam a ignorar que um Estado Democrático de Direito não se faz com punibilidade seletiva e tolerância a desvios. O rigor, pelo que tanto clamam nossas pessoas de bem, deve ser igualmente democrático e não reservado apenas aos "petralhas", aos "comunistas", aos "vândalos", aos "badereiros" ou aos "bandidos" que não estejam de terno e sim de chinelo, que demoram meses para traficar meia tonelada de cocaína, transportada, sabidamente, em helicópteros de famílias abastadas.



Fantástica observação da Forum sobre o assunto: http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/01/sobre-fundamentalismo-midiatico-e-zumbis-amestrados/

A versão de Jean Willys, da oposição, sobre as regalias de José Dirceu: http://jeanwyllys.com.br/wp/o-que-vi-e-ouvi-em-minha-visita-a-papuda