quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Mujica na ONU - tradução integral do discurso

Foto retirada da Wikipedia


Trabalho e estudo têm me impedido de postar reclamações neste espaço com a frequência que gostaria. Novos caminhos e desafios demandam esforços e sacrifícios. Abrir a mente para novos conceitos é uma tarefa laboriosa e o esforço, quando praticado para a revisão dos nossos valores, se torna dobrado.

Felizmente, há gente cujas palavras podem ser emprestadas, repetidas e divulgadas.

O portal de blogs O Esquema divulgou recentemente a tradução do discurso de Jose Pepe Mujica na ONU. Tomo como minhas as palavras do estadista mais lúcido em atividade no mundo.

Pepe Mujica me representa, integralmente. Leia, caro leitor, reflita e pense no mundo que deseja para as próximas gerações, para o seu filho, sobrinho ou neto. Pense nisso antes de trocar de celular, antes de comprar uma TV nova ou relaxar na coleta seletiva do seu lixo.

(retirei o resto do meu texto por redundância com o discurso, longo e imersivo)

Divirta-se caro leitor:

Amigos, sou do sul, venho do sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma planície suave, temperada, uma história de portos, couros, charque, lãs e carne. Houve décadas púrpuras, de lanças e cavalos, até que, por fim, no arrancar do século 20, passou a ser vanguarda no social, no Estado, no Ensino. Diria que a social-democracia foi inventada no Uruguai.
Durante quase 50 anos, o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na economia, fomos bastardos do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos o amargo mel do fim de intercâmbios funestos, e ficamos estancados, sentindo falta do passado.
Quase 50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de um rapaz — por que, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são, em parte, filhos de meu tempo. Obviamente, os assumo, mas há vezes que medito com nostalgia.
Quem tivera a força de quando éramos capazes de abrigar tanta utopia! No entanto, não olho para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para cobrar contas ou para reverberar memórias.
Me angustia, e como, o amanhã que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida.
Mas sou do sul e venho do sul, a esta Assembleia, carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América Latina pátria de todos que está se formando.
Carrego as culturas originais esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba. Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não despertar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios na América.
Carrego o dever de lutar por pátria para todos.
Para que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, e carrego o dever de lutar por tolerância, a tolerância é necessária para com aqueles que são diferentes, e com os que temos diferências e discrepâncias. Não se precisa de tolerância com aqueles com quem estamos de acordo.
A tolerância é o fundamento de poder conviver em paz, e entendendo que, no mundo, somos diferentes.
O combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de felicidade.
Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração, pobreza e até autoexclusão.
O certo, hoje, é que, para gastar e enterrar os detritos nisso que se chama pela ciência de poeira de carbono, se aspirarmos nesta humanidade a consumir como um americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para poder viver.
Nossa civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.
Prometemos uma vida de esbanjamento, e, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza, contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais.
O pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas, as únicas que transcendem: o amor, a amizade, aventura, solidariedade, família.
Civilização contra tempo livre que não é pago, que não se pode comprar, e que nos permite contemplar e esquadrinhar o cenário da natureza.
Arrasamos a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.
Cabe se fazer esta pergunta, ouvimos da biologia que defende a vida pela vida, como causa superior, e a suplantamos com o consumismo funcional à acumulação.
A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De salto em salto, a política não pode mais que se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio.
Todavia, as campanhas de marketing caem deliberadamente sobre as crianças, e sua psicologia para influir sobre os adultos e ter, assim, um território assegurado no futuro. Sobram provas de essas tecnologias bastante abomináveis que, por vezes, conduzem a frustrações e mais.
O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a acumulação. A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa nem escapará do sentimento de nação. Sentimento que está quase incrustado em nosso código genético.
Hoje é tempo de começar a talhar para preparar um mundo sem fronteiras. A economia globalizada não tem mais condução que o interesse privado, de muitos poucos, e cada Estado Nacional mira sua estabilidade continuísta, e hoje a grande tarefa para nossos povos, em minha humilde visão, é o todo.
Como se isto fosse pouco, o capitalismo produtivo, francamente produtivo, está meio prisioneiro na caixa dos grandes bancos. No fundo, são o vértice do poder mundial. Mais claro, cremos que o mundo requer a gritos regras globais que respeitem os avanços da ciência, que abunda. Mas não é a ciência que governa o mundo. Se precisa, por exemplo, uma larga agenda de definições, quantas horas de trabalho e toda a terra, como convergem as moedas, como se financia a luta global pela água e contra os desertos.
Como se recicla e se pressiona contra o aquecimento global. Quais são os limites de cada grande questão humana. Seria imperioso conseguir consenso planetário para desatar a solidariedade com os mais oprimidos, castigar impositivamente o esbanjamento e a especulação. Mobilizar as grandes economias não para criar descartáveis com obsolescência calculada, mas bens úteis, sem fidelidade, para ajudar a levantar os pobres do mundo. Bens úteis contra a pobreza mundial. Mil vezes mais rentável que fazer guerras. Virar um neo-keynesianismo útil, de escala planetária, para abolir as vergonhas mais flagrantes deste mundo.
Talvez nosso mundo necessite menos de organismos mundiais, desses que organizam fórums e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas e, no melhor dos casos, não reúne ninguém e transforma em decisões…
Precisamos sim mascar muito o velho e o eterno da vida humana junto da ciência, essa ciência que se empenha pela humanidade não para enriquecer; com eles, com os homens de ciência da mão, primeiros conselheiros da humanidade, estabelecer acordos para o mundo inteiro. Nem os Estados nacionais grandes, nem as transnacionais e muito menos o sistema financeiro deveriam governar o mundo humano. Sim, a alta política entrelaçada com a sabedoria científica, ali está a fonte. Essa ciência que não apetece o lucro, mas que mira o por vir e nos diz coisas que não escutamos. Quantos anos faz que nos disseram coisas que não entendemos? Creio que se deve convocar a inteligência ao comando da nave acima da terra, coisas assim e coisas que não posso desenvolver nos parecem impossíveis, mas requeririam que o determinante fosse a vida, não a acumulação.
Obviamente, não somos tão iludidos, nada disso acontecerá, nem coisas parecidas. Nos restam muitos sacrifícios inúteis daqui para diante, muitos remendos de consciência sem enfrentar as causas. Hoje, o mundo é incapaz de criar regras planetárias para a globalização e isso é pela enfraquecimento da alta política, isso que se ocupa de todo. Por último, vamos assistir ao refúgio de acordos mais ou menos “reclamáveis”, que vão plantear um comércio interno livre, mas que, no fundo, terminarão construindo parapeitos protecionistas, supranacionais em algumas regiões do planeta. A sua vez, crescerão ramos industriais importantes e serviços, todos dedicados a salvar e a melhorar o meio ambiente. Assim vamos nos consolar por um tempo, estaremos entretidos e, naturalmente, continuará a parecer que a acumulação é boa, para a alegria do sistema financeiro.
Continuarão as guerras e, portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça um chamado à ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado crua, sem piedade, e vemos ao homem como uma criatura única, a única que há acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie. Volto a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do planeta de consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também nossa derrota, porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova época. E temos contribuído para sua construção sem nos dar conta.
Por que digo isto? São dados, nada mais. O certo é que a população quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos vinte vezes no último século. Desde 1990, aproximadamente a cada seis anos o comércio mundial duplica. Poderíamos seguir anotando dados que estabelecem a marcha da globalização. O que está acontecendo conosco? Entramos em outra época aceleradamente, mas com políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos velhos ante a pavorosa acumulação de mudanças que nem sequer podemos registrar. Não podemos manejar a globalização porque nosso pensamento não é global. Não sabemos se é uma limitação cultural ou se estamos chegano a nossos limites biológicos.
Nossa época é portentosamente revolucionária como não conheceu a história da humanidade. Mas não tem condução consciente, ou ao menos condução simplesmente instintiva. Muito menos, todavia, condução política organizada, porque nem se quer tivemos filosofia precursora ante a velocidade das mudanças que se acumularam.
A cobiça, tão negatica e tão motor da história, essa que impulsionou o progresso material técnico e científico, que fez o que é nossa época e nosso tempo e um fenomenal avanço em muitas frentes, paradoxalmente, essa mesma ferramenta, a cobiça que nos impulsionou a domesticar a ciência e transformá-la em tecnologia nos precipita a um abismo nebuloso. A uma história que não conhecemos, a uma época sem história, e estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e para continuar nos transformando.
Porque se há uma característica deste bichinho humano é a de que é um conquistador antropológico.
Parece que as coisas tomam autonomia e essas coisas subjugam os homens. De um lado a outro, sobram ativos para vislumbrar tudo isso e para vislumbrar o rombo. Mas é impossível para nós coletivizar decisões globais por esse todo. A cobiça individual triunfou grandemente sobre a cobiça superior da espécie. Aclaremos: o que é “tudo”, essa palavra simples, menos opinável e mais evidente? Em nosso Ocidente, particularmente, porque daqui viemos, embora tenhamos vindo do sul, as repúblicas que nasceram para afirmas que os homens são iguais, que ninguém é mais que ninguém, que os governos deveriam representar o bem comum, a justiça e a igualdade. Muitas vezes, as repúblicas se deformam e caem no esquecimento da gente que anda pelas ruas, do povo comum.
Não foram as repúblicas criadas para vegetar, mas ao contrário, para serem um grito na história, para fazer funcionais as vidas dos próprios povos e, por tanto, as repúblicas que devem às maiorias e devem lutar pela promoção das maiorias.
Seja o que for, por reminiscências feudais que estão em nossa cultura, por classismo dominador, talvez pela cultura consumista que rodeia a todos, as repúblicas frequentemente em suas direções adotam um viver diário que exclui, que se distância do homem da rua.
Esse homem da rua deveria ser a causa central da luta política na vida das repúblicas. Os gobernos republicanos deveriam se parecer cada vez mais com seus respectivos povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.
A verdade é que cultivamos arcaísmos feudais, cortesias consentidas, fazemos diferenciações hierárquicas que, no fundo, amassam o que têm de melhor as repúblicas: que ninguém é mais que ninguém. O jogo desse e de outros fatores nos retém na pré-história. E, hoje, é impossível renunciar à guerra cuando a política fracassa. Assim, se estrangula a economia, esbanjamos recursos.
Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançaram enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas a quinta parte da investigação militar.
Este processo, do qual não podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo, desconfiança, fonte de novas guerras e, isso também, esbanjamento de fortunas. Eu sei que é muito fácil, poeticamente, autocriticarmo-nos pessoalmente. E creio que seria uma inocência neste mundo plantear que há recursos para economizar e gastar em outras coisas úteis. Isso seria possível, novamente, se fôssemos capazes de exercitar acordos mundiais e prevenções mundiais de políticas planetárias que nos garantissem a paz e que a dessem para os mais fracos, garantia que não temos. Aí haveria enormes recursos para deslocar e solucionar as maiores vergonhas que pairam sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, onde se iria sem a existência dessas garantias planetárias? Então cada qual esconde armas de acordo com sua magnitude, e aqui estamos, porque não podemos raciocinar como espécie, apenas como indivíduos.
As instituições mundiais, particularmente hoje, vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.
Bloqueiam esta ONU que foi criada com uma esperança e como um sonho de paz para a humanidade. Mas, pior ainda, desarraigam-na da democracia no sentido planetário porque não somos iguais. Não podemos ser iguais nesse mundo onde há mais fortes e mais fracos. Portanto, é uma democracia ferida e está cerceando a história de um possível acordo mundial de paz, militante, combativo e verdadeiramente existente. E, então, remendamos doenças ali onde há eclosão, tudo como agrada a algumas das grandes potências. Os demais olham de longe. Não existimos.
Amigos, creio que é muito difícil inventar uma força pior que nacionalismo chovinista das grandes potências. A força é que liberta os fracos. O nacionalismo, tão pai dos processos de descolonização, formidável para os fracos, se transforma em uma ferramenta opressora nas mãos dos fortes e, nos últimos 200 anos, tivemos exemplos disso por toda a parte.
A ONU, nossa ONU, enlanguece, se burocratiza por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e, sobretudo, de democracia para o mundo mais fraco que constitui a maioria esmagadora do planeta. Mostro um pequeno exemplo, pequenino. Nosso pequeno país tem, em termos absolutos, a maior quantidade de soldados em missões de paz em todos os países da América Latina. E ali estamos, onde nos pedem que estejamos. Mas somos pequenos, fracos. Onde se repartem os recursos e se tomam as decisões, não entramos nem para servir o café. No mais profundo de nosso coração, existe um enorme anseio de ajudar para que o homem saia da pré-história. Eu defino que o homem, enquanto viver em clima de guerra, está na pré-história, apesar dos muitos artefatos que possa construir.
Até que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante. E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra. No entanto, esses sonhos, esses desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar, passo a passo, as ameaças à vida. A espécie como tal deveria ter um governo para a humanidade que superasse o individualismo e primasse por recriar cabeças políticas que acudam ao caminho da ciência, e não apenas aos interesses imediatos que nos governam e nos afogam.
Paralelamente, devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização.
Há poucos dias, fizeram na Califórnia, em um corpo de bombeiros, uma homenagem a uma lâmpada elétrica que está acesa há cem anos. Cem anos que está acesa, amigo! Quantos milhões de dólares nos tiraram dos bolsos fazendo deliberadamente porcarias para que as pessoas comprem, comprem, comprem e comprem.
Mas esta globalização de olhar para todo o planeta e para toda a vida significa uma mudança cultural brutal. É o que nos requer a história. Toda a base material mudou e cambaleou, e os homens, com nossa cultura, permanecem como se não houvesse acontecido nada e, em vez de governarem a civilização, deixam que ela nos governe. Há mais de 20 anos que discutimos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la no tocante ao planeta. Todos os bancos do poder financeiro se irrompem feridos em sua propriedade privada e sei lá quantas coisas mais. Mas isso é paradoxal. Mas, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é capaz de transformar o deserto em verde.
O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.
Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos, ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização em que fomos desenvolvendo.
Este é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos na causa profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso “nós”.
Obrigado.

Link original: aqui
Trilha sonora: O Novo Aeon, por Raul Seixas, no Grooveshark: aqui


domingo, 15 de setembro de 2013

Salvemos os escravos cubanos!

A polêmica sobre a "importação" dos médicos demonstrou o sectarismo midiático com todas as suas forças. Sabemos que isso é corrente, mas nunca vi ser feito com tanta desfaçatez e cinismo. A opinião pública há muito não esteve tão alheia a fatos e dados sobre uma questão tão relevante e, pior, há muito não demonstra tanto preconceito, obviamente devido ao veneno da Mídia Conservadora.

Tudo começou com as afirmativas de que os médicos, na verdade, seriam espiões comunistas. Francamente, espionar para quem? Para o poderoso Império Cubano, que tomará de assalto o Brasil? Ou talvez eles estejam preparando o terreno para o golpe stalinista...De tão ridícula, essa aleivosia não colou, mas daí houve uma sucessão de sandices assustadoras.

De tudo isso, desde a falta de divulgação de dados e fatos reais sobre a questão, à toxina reacionária desmiolada, o que mais me contrariou foi a repulsa à suposta escravidão dos médicos cubanos, o que me remete à uma questão já abordada por mim aqui .

Os dados de um ótimo blog (Blog História e Política, que pode ser acessado aqui: http://gustavoacmoreira.blogspot.com.br/ ), em sua postagem Parem o moinho, prendam os moleiros , relata que só em agosto de 2013, fora o caso da boutique, tivemos 3 casos de submissão à condição análoga a de escravo, em São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul. Em julho, tivemos mais três casos, em abril mais dois, e respectivamente um caso em março e fevereiro.

Obviamente, o blog menciona os casos descobertos e consideradas a precária estrutura estatal para a fiscalização e as dimensões do Brasil, certamente, neste exato momento, há no mínimo uma centena de pessoas nessa condição.

Nem mesmo no mês em que o problema foi relacionado à realidade ou desejos dos adeptos da mídia coxinha, já que o fenômeno chegou ao mercado das roupas caras, o problema mereceu uma capa chamativa ou a reprovação de um(a) âncora de roupas chiques.  A mesma revista que falou em espiões alerta, ainda, em uma de suas capas, sobre os perigos de se manter os cubanos sob o seu ditatorial regime legal, ou seja, diz se preocupar com o bem estar dos médicos cubanos, mas obviamente faz isso com puro senso político, sem qualquer apego ao humanismo.

Se humanista fosse, demonstraria de forma bem mais decisiva que se preocupa com o bem estar dos trabalhadores brasileiros submetidos à condições semelhantes as que atribui ao regime cubano. O partidarismo da Mídia, efetivamente se sobrepõe a tudo, inclusive ao humanismo, usado de forma camaleônica  e depois essa mesma mídia reclama da violência dos manifestantes anarquistas que os perseguem na rua.

Não entendem a ética e cultura que propagam? Como acham que as novas gerações vão reagir a esse tipo de inserção midiática? Ou ficam violentos pela repulsa ou por corresponder acriticamente (como faz o grosso dos seus seguidores) a essa mensagem!

Por isso que digo que a posição da mídia corporativa no Brasil é nociva são só porque mente, distorce e não se assume como conservadora, direitista e principalmente tucana. É ruim porque continua se arvorando em sua imparcialidade cínica e é a principal disseminadora do sectarismo e despolitização que geram uma elite violenta e preconceituosa. O resultado disso, conforme nossa realidade demonstra, é uma sociedade que encara a dignidade humana de forma míope ou cínica e quem faz isso de caso pensado é, no mínimo, irresponsável.

Lamentável, por fim, que esse verdadeiro câncer midiático tenha desviado a atenção da opinião pública de uma questão tão polêmica e complexa. Há tanto a se debater, como, se de fato nosso mercado não supre as funções necessárias. Pelas explicações do Governo Federal, houve sobra de vagas oferecidas para brasileiros, mas, a vigilância midiática não seria muito melhor se visasse à verificação cuidadosa dessa informação, no lugar de dizer que serão tragos escravos que aceitarão trabalhar por 20% do que ganha um profissional brasileiro?

Poderíamos discutir sobre como adquirir o treinamento necessário para exercer a medicina preventiva cubana, que lá erradicou doenças da era colonial que ainda temos, para, paulatinamente eliminar a participação dos estrangeiros. Discutir formas imediatas de se levar um minimo de acompanhamento médico para lugares longínquos do País. Talvez pressionar o Governo para que obras de saneamento básico sejam feitas com a mesma urgência com que se fala nos médicos, já que a concomitância das duas medidas é essencial.

Enfim, há espaço para um debate rico e sério com uma questão humanitária imediata envolvida e tudo o que a mídia conservadora faz é fingir se revoltar com a suposta escravidão de estrangeiros tidos como verdadeiros párias (tanto que foram recebidos com histeria no aeroporto), enquanto temos uma escravidão real que já massacra nosso povo que é convenientemente ignorada.

Humanistas não recebem escravos de um regime totalitário com berros acusadores. Apenas pessoas violentas, irascíveis, como a mídia que acompanham.

Em seu desserviço à sociedade brasileira, a mídia coxinha não auxilia na resolução de qualquer um dos dois problemas que cito aqui, muito pelo contrário, coloca seus objetivos políticos e econômicos à frente dos direitos constitucionais mais básicos e, se pudesse, deixaria que todos os que dependem desse debate morressem simplesmente para ter munição política para que seu tão amado partido volte ao poder, amado, contudo, nas alcovas e cantinhos, porque fora do armário, a mídia coxinha é imparcial.



Saiba a opinião de um dos mais conceituados periódicos médicos, de origem estadunidense, O New England Journal of Medicine, sobre a medicina cubana aqui

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A Gaiola das Loucas


Foto retirada do perfil do FB do Jornal Zona de Conflito
Detesto bancar o arauto da desgraça, mas em minha última postagem profetizei o que aconteceria no dia 04.09.2013, quando disse que não via recuo algum pelo poder constituído. Para quem não sabe, foram presos administradores das páginas do Black Block RJ, Black Block Niterói e Black Block São Gonçalo, sendo três menores de idade.

Há, ainda, uma manifestante virtual que no momento das prisões se encontrava de férias na Bolívia e que sequer voltou ao Brasil. Vergonhoso que em 2013 uma jovem ativista tenha que pedir asilo político a uma País vizinho simplesmente porque nossa elite letrada, imbecilizada e desinformada pela Grande Mídia deseja apenas manifestantes pacíficos, bonitinhos e cheirosos, que proponham mudanças que não ameacem sua forma medíocre e elitista de viver.

Numa democracia plutocrática, nada mais comum que as forças estatais correspondam ao sectarismo radical que não tolera a exposição das fedorentas entranhas de nossa sociedade. Querem a melhoria das condições do povo, contanto que este mesmo povinho se mantenha no seu lugar.

Por mais que se divirja da forma, muitas vezes radical de manifestação, ao que parece o Governo do Estado, através de sua Polícia e o Ministério Público, órgão supostamente independente, fizeram prisões políticas, já que, a acusação que atribuiu a condição de inafiançável ao crime supostamente cometido não colará. Os membros do órgão sabem disso, no entanto, pelo que parece, a razão é simplesmente intimidar, minar as lideranças das manifestações e, mais do que isso, dar munição à Mídia Reacionária, que, agora, vê os "vândalos" como verdadeiros troféus de caça.

A coisa é tão absurda que um dos "vândalos" presos, surpreso, perguntou como poderia ser acusado de formação de quadrilha com pessoas com quem jamais falou diretamente ou teve contato real. Infelizmente, nada disso importa, importante, mesmo, é corresponder aos anseios de uma Mídia que apoiou confessadamente o regime responsável pelos momentos mais lamentáveis da nossa história e "botar ordem na casa", mesmo que à custa de direitos democráticos fundamentais e, pior, à custa do enfraquecimento da vigilância que os "vândalos" exercem sobre nossas autoridades.

A estratégia é clara: a Mídia Marrom criminaliza os contestadores descompromissados para continuar exercendo sua vigilância tendenciosa e golpista, afinal, para os nossos veículos midiáticos "imparciais" apenas um partido comete crimes no Brasil. O trensalão tucano é apenas uma fantasia, enquanto o mensalão petista é repetido e divulgado incessantemente.

Não que eu seja contra a vigilância da imprensa, apenas me enoja a vigilância seletiva, claramente sectária e tendenciosa, justamente por parte de quem se diz imparcial e, agora, apela ao coitadismo ao ter seus profissionais expulsos da rua. Antes de condenar a falta de democracia nas expulsões, deveriam perguntar o motivo de tanta repulsa. Não ousam questionar, porque a resposta é óbvia.

Para quem tem um mínimo de experiência profissional e contato com a forma de atuar do Ministério Público, tais ações não causam surpresa. Há muito que o Fiscal da Lei age como arauto da punibilidade seletiva, agindo reiteradas vezes, de forma contrária até mesmo à razão e à lei. Seus membros recorrem de tudo que podem, mesmo quando sabem não ter razão e, pior, o oferecimento de denúncias que façam menção a infrações que, de fato, não foram praticadas, com mero intuito de aumento de pena é corriqueiro.

Notem que, em todo caso com atenção midiática, a modalidade culposa de um crime é sempre esquecida e transmutada em dolo eventual, circunstância que agrava a pena. Enquanto os holofotes pipocam, o extremismo punitivo ganha força e assim vamos destruindo nosso sistema legal com modificações conservadores que não resistem à mais elementar análise técnica. Assim foi com a Lei Hedionda, ops, Lei de Crimes Hediondos, que agora abarca o crime de corrupção e assim será se nossos congressistas conseguirem emplacar sua mais nova norma de controle social: a tipificação e agravamento de crimes de dano praticados em manifestações.

Essa atitude extrema, que é institucional, tem o intuito de aumentar a importância do órgão, eis que, sabidamente, o crescimento da população carcerária aumenta a violência, a segregação social e, logicamente, a necessidade de mecanismos que respondam com a mesma violência aos atos praticados pelos excluídos. Essa lógica conservadora, infelizmente, não beneficia a ninguém, nem mesmo ao membros do M.P. que, como cidadãos, estarão expostos às conseqüências da punibilidade seletiva e, por isso mesmo, inútil.

A punibilidade seletiva, no caso do Back Block é evidente. Enquanto os administradores de páginas da internet são presos e acusados de formação de quadrilha, há apenas um procedimento de iniciativa do M.P. que vise à investigação e punição da violência policial, que, logicamente, possui como alvo principal os P.M.'s que lá estavam.

Evidente, assim, que, enquanto soldados da P.M. são investigados e Black Blocks presos a cúpula mandante de todos os absurdos policiais continua livre e desimpedida, tanto é assim que todo o despreparo e brutalidade policiais se repetiram no 7 de setembro.

A simples observação do enaltecimento da mídia marrom à conduta exageradamente punitiva já espelha o comportamento irascível do órgão. Somada a essa atitude agressiva e notadamente institucional, temos a sanha pelos holofotes e, via de conseqüência, um banquete para os exageros nas pretensões punitivas.

Alguns dias depois das prisões uma amiga minha posta no facebook que teria saído na coluna do Anselmo Goes que os membros do MP teriam pedido exoneração do novo DOI-CODI, ops, da tal comissão para investigar vandalismo em manifestações populares. Não consegui confirmar essa informação, o site do Ministério Público, que andou fora do ar no final de semana, recentemente não trouxe qualquer confirmação dessa notícia, contudo, não deixo de destacar a reação dos perfis de facebook ligados às manifestações.

As páginas da "liderança" urbana não tardaram a destacar seu repúdio às prisões relâmpago e relembrar, ainda, que o dito órgão contara com o seu apoio quando da polêmica da Emenda Constitucional que, em tese, suprimiria os poderes de investigação do M.P. Com razão, se sentiram traídos, visto que o Ministério Público, que até então, seria um aliado na vigilância política, se tornou verdadeiro algoz das manifestações.

Pessoalmente, nunca achei tal pauta das mais relevantes, principalmente porque se a tal PEC seria a "PEC da Impunidade", porque temos, hoje, tanta impunidade, mesmo com o M.P. se arvorando na condição de investigador? A minha lógica pode parecer simplória, mas é evidente. A impunidade já existe, assim como a punibilidade seletiva, portanto, a verdade é que os poderes investigativos do Órgão, obviamente, não são suficientes para trazer a devida resposta penal aos verdadeiros vândalos.

Contudo (já que falei anteriormente em maturidade), vejo tais acontecimentos como mais uma oportunidade de aprendizado para os nossos valentes ativistas, por mais que essa sentença me retrate como um adepto do estilo poliana de ser.

A verdade é que política não é para amadores. Todos fazem política, incluído aí, o Ministério Público, portanto, dentre os gritos contrários à PEC da Impunidade, a massa insatisfeita não notou que, fora o poder de investigação, a rejeição da PEC traria importante munição aos promotores quando do diálogo com outras forças estatais.

Na verdade, as manifestações fortaleceram seu algoz. Só espero que, agora, nossos ativistas entendam que estão sozinhos na luta, que o Estado e muito menos a Mídia não os ajudarão.

O poder de investigar traz, não só a suposta garantia de luta contra a impunidade, mas também um importante trunfo para o M.P., que continua a contar com um relevante instrumento de pressão quando do trato com outros atores estatais.

Há muito que denuncio as trapalhadas de nosso Governador. Evidente, assim, que mais uma vez ele obteve sucesso em seu show de absurdos. Através de seu indiscutível autoritarismo, que começou com aquele arremedo de ditadura estadual, Cabral transformou o estado do Rio em uma gaiola das loucas.

Através de seu DOI-CODI Cabral conseguiu unir os atores divergentes do ativismo eis que o PSTU, apesar de publicamente divergir da forma de manifestação do Black Block não se furtou a prestar sua solidariedade e destacar o seu repúdio ao conservadorismo punitivo e midiático. Em sua forma atabalhoada de agir, nosso desgovernador conseguiu demonstrar a todas as diferentes tendências e participantes das manifestações que, apesar das divergências, eles possuem um inimigo comum: o próprio Estado. Meus parabéns, Serginho, quanto mais você aperta a democracia, mais questionamentos você cria.

Temos, agora, Lei Estadual que suprime direitos constitucionais, prisões midiáticas, bem aos moldes do que a Mídia Marrom gosta e uma falsa sensação de ordem.

Até mesmo a Anistia Internacional já destacou o verdadeiro retrocesso representado pelas trapalhadas crabalóides, contudo, é justamente a esse tipo de atitude que ele deve seu Poder nefasto. Se elegeu com voto de cabresto, praticado por milicianos que, conforme demonstraram os veículos sérios de jornalismo, foram socorrer seus mestres na Câmara dos Vereadores.

Enquanto isso, a mídia vampira e seus zumbis se refestelam. Seus inocentes úteis respondem com alívio à prisão dos mascarados, sem notar que em sua maioria, não passam de operários de canudo. Ignoram que dão força a um discurso que os manterá nas mesmas condições, os manterá escravos de uma elite que não é liberal (isso já seria ruim o suficiente), mas sim oligarca. Vilipendiam seus próprios direitos, em sua arrogância ignorante. Continuarão, em sua inocência imbecilizada, sujeitos, por exemplo, a uma alíquota de imposto de renda maior do que pagam os proprietários das Pessoas Jurídicas para as quais trabalham. Continuarão a minguar seus caraminguás para compensar políticas estatais desiguais e a especulação imobiliária que os empurra, cada vez mais, para mais longe dos bairros chiques que tanto desejam. Sem saber, comercializam seu voto e apoiam um sistema que os impede, até mesmo de gozar de forma ampla dos mais simples serviços públicos, mas não se importam, afinal, sempre haverá o metrô de Nova Iorque, a ser visitada em pacotes de turismo parcelados. Parcelados como seus carros, como suas roupas e como tudo aquilo que seu consumismo lhes leva a adquirir. Sequer param para pensar que seu poder de consumo se reduz diariamente e que tal fato não se deve exclusivamente ao Governo dos "comunistas petralhas". Preferem, em sua existência quase vegetativa, sonhar com o BMW do patrão, engrossando as fileiras da enorme base que sustentará os poucos que conseguirão seu lugar no El Dorado capitalista.  E os tapados são os mascarados!

Arnaldo Jabor apoiava a movimentação contra a PEC37: aqui

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Vinagre maturado

Foto: Revista Vírus Planetário

Após a ebulição do mês de junho e a ressaca de julho, na segunda quinzena de agosto me veio uma nítida sensação de deja vu. Parece que rebobinaram a fita (peço desculpas pela expressão datada), pois o comportamento da Mídia Corporativa e de seus pobres zumbis me remete aos lamentáveis comentários do Jabor, logo após o primeiro dia das manifestações do Passe Livre.

A mídia direitista, agora, me parece cometer o mesmo erro de outrora, com a diferença de que acha que, ao contrário do que aconteceu em junho, a população não mais tomará o partido dos manifestantes. Daí a minha diferença de opinião em relação à coluna da Vírus Planetário da qual retirei a foto acima. Não vejo um recuo do Poder Constituído e muito menos das forças do Quarto Poder.

O seu principal veículo impresso já partiu para o ataque, publicou em sua capa uma menina Black Block ao lado de uma expressão injuriosa. Sim, ao que parece, tapados são aqueles que lutam pela correta investigação de uma máfia que mercantiliza, à custa de muita agonia, o direito de mobilidade da população. Tapados são aqueles que não se deixaram iludir pela endemonização conservadora da política e partiram diretamente, ainda que de forma extrema, aos símbolos do capitalismo, ditador de uma ética homicida que atinge diretamente vários daqueles mascarados.

Nossos intrépidos ativistas não deixaram por menos. Partiram para a publicação, através da Mídia Alternativa, de uma resposta à perniciosa reportagem.

O nosso Governo, agora com a guarida da imprensa vampira, também faz a sua parte, procura proibir o uso de máscaras em manifestações. Inconstitucionalidades à parte, o cerco está armado e no meio dele o novo preto: o vândalo.

O Ministério Público promete rigor contra eles.

Ante à omissão da Defensoria Pública, nada mais resta aos mascarados senão a valente atuação da OAB e de grupos como o Advogados Ativistas.

Enquanto isso a "classe média" conservadora apóia e flagela. Como andam sempre cansados de alguma coisa, agora, estão cansados desses gritos insignificantes, afinal, o problema são os políticos corruptos. A nossa elite letrada abandonou a rua. Ficaram apenas os "vândalos".

Conforme já afirmei aqui, fico feliz. Fico realmente feliz que os coxinhas voltem para sua poltrona e condenem os manifestantes, reclamem do engarrafamento (que existe, com manifestações ou não) e voltem à sua apatia e ao seu voto, quase sempre tucano, durante as eleições.

Enquanto tudo volta ao normal, enquanto as grandes corporações jornalísticas abandonam os manifestantes, o vinagre cria maturidade.

Passei a acreditar nessa maturidade desde que perfis do Black Block invocaram uma manifestação para a porta do Ministério Público. Aos que os acusam de niilistas, eu diria que a compreensão do sistema e o grito direto, através de uma pauta bem definida, ao órgão que, de fato, possui meios para investigar os abusos do Governo Cabral, não me parece, exatamente, uma estratégia exclusivamente destruidora.

Desde então o vinagre vem tomando mais sabor. Durante o Ocupa Câmara dos Vereadores, os manifestantes, ante à acusação de autoritários foram ao Regimento Interno da Casa e incluíram na pauta a questão da proporcionalidade política na formação da CPI. Concomitantemente, vereadores da oposição ingressaram com um mandado de segurança que, liminarmente, suspendeu o ridículo teatro PMDBista.

Mais uma passo em direção à transparência no transporte público do Rio e mais um passo da garotada em relação ao ativismo efetivo.

Mais uma demonstração de boa mira foi o Ocupa Odebrecht, muito pouco divulgado pela mídia. Pois, apesar do silêncio da mídia capitalista, eu passei lá e vi os seguranças acuados, com as portas do prédio fechadas. Mais uma vez, assim como no casamento da Dona Baratinha, os vândalos foram muito mais longe do que qualquer leitor da Veja, afinal, o reconhecimento dos interesses privados que lubrificam a máquina assassina de nosso sistema é fundamental.

Quando as demais metrópoles brasileiras recuaram, o Rio continuou em ebulição. Logo depois foi organizado um novo movimento em Sampa. "Carioca é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo. Fora Cabral". Realmente, ao que parecia, a grita dos governistas estava certa, pois os ditos manifestantes pareciam se dirigir exclusivamente ao Governo Federal e seus aliados.

Antenados como sempre, os agitadores virtuais imediatamente procuram incluir um "Fora Alckmin" no protesto. Interessante essa nítida intenção de se afastar também da oposição de direita. A divergência, ainda, com o PSTU, o único partido a se manifestar de forma realmente clara em relação ao Black Block, demonstra, contudo, que boa parte dos manifestantes não possui identidade com o sistema político, ainda.

Por fim, um pequeno pito manifestado pela página Black Block em relação à depredação de bancas de jornais e outros pequenos comércios demonstra mais uma sinal de maturidade: lideranças. Por mais que possua organização horizontal, o ativismo virtual, apesar de minguar em número, começa a se tornar mais sólido, justamente porque a organização direta e horizontal começa a mostrar uma forma orgânica de liderança.

E a Mídia Vampira que se cuide, pois os "vândalos" não dependem da Mídia Ninja, um dos seus alvos preferidos. Repudiam a velha mídia e engrossam a nova e enquanto a audiência dos programões de domingo despenca e os jornalões, impressos ou cibernéticos lutam para pagar suas contas, o midialivrismo cresce. Ambos os fenômenos, tanto esse novo ativismo como o midialivrismo se reforçam e possuem um público que cresce diariamente.

Estamos próximos ao 7 de setembro. Data prevista para novas manifestações. Grupos extremamente conservadores, alegadamente contando com a liderança do Bolsonaro se assanham, sindicatos também, assim como os ativistas virtuais. As páginas ligadas à manifestações que acompanho, em sua maioria, se preocuparam em identificar os eventos que apoiavam.

Notável que a liderança orgânica procura não só manter a perenidade das manifestações, mas também afastar seus seguidores das armadilhas conservadoras e dos atos ligados às lideranças sindicais que se mantiveram ligadas ao PT.

Realmente, a nova geração mostrou a que veio e, ao que parece, fez e vai continuar fazendo a minha corar, pois passaram, há muito, da mera pintura na cara. Apesar de serem extremamente cabreiros em relação à política partidária, o que se justifica, não só pelo trabalho conservador incessante em prol da despolitização do povo, mas também em virtude do escandaloso passado da nossa classe política, esses garotos mostram, não só noção exata do que querem, mas um conhecimento do sistema em que vivem muito maior do que aqueles que se limitam a rotular os ativistas acreditam ser possível.

Ao contrário do alegado niilismo, vejo um crescimento significativo de consciência política. Já o problema da representatividade, apesar de difícil, não é impossível de ser superado, principalmente se a classe política fizer a parte dela e se aproximar do grito urbano.


Perfil dos Advogados Ativistas no facebook: aqui
A campanha midiática contra os "vândalos": no youtube
Chatice nova, trilha sonora: http://grooveshark.com/#!/playlist/Geraldo+Azevedo/90044187
Vou ser cabotino, que me desculpe o leitor, com satisfação informo que este textinho foi publicado pela Vírus Planetário: http://www.virusplanetario.net/vinagre-maturado/