sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Brasileiros sortudos


Imagem tirada do Blog Outras Palavras ( http://outraspalavras.net/destaques/quando-a-revolucao-muda-de-rumos/ )

Recentes acontecimentos na política mundial me dão um certo alento, pois, nós, brasileiros, tivemos muita sorte.

Quando iniciada a jornada da luta urbana em junho do ano passado, não só eu, mas vários amigos, militantes e ativistas se assustaram com o caráter fascista dado pela massa coxinha às manifestações. Empurrados por uma mídia irresponsável, coxinhas simplesmente não aceitavam as bandeiras dos partidos políticos que estavam na rua lutando pelos direitos dos desfavorecidos há muito tempo.

Enquanto a maior parte dos coxinhas que invadiu a rua ano passado não sabia em quem votou para vereador ou deputado e apoiava os neonazistas que agrediam não só os portadores de bandeiras de partidos, mas também qualquer pessoa que estivesse vestida de vermelho (a velha comunofobia coxinha) todos nos perguntávamos aonde isso ia parar.

O apoio da mídia hegemônica que, levianamente, destacava a tentativa de "sequestro" das manifestações pelos partidos políticos de esquerda e pedia que coxinhas enviassem vídeos de protestos aumentou a sensação de insegurança da galera esquerdista que estava na rua.

O trabalho despolitizante de uma mídia elitista nunca esteve tão explícito e nunca foi tão explicitamente rejeitado. No lugar de heróis, os veículos da mídia hegemônica eram apontados como coniventes e o rescaldo disso foi o pendulante comportamento da impren$a. De empolgados narradores, passaram a obtusos acusadores. Ir para a rua gritar contra a democracia e contra a promoção de direitos básicos fundamentais pode,  mas quebrar banco não!

Na verdade, se houve sequestro, tal tentativa foi praticada pela elite econômica (e midiática) que, explicitamente, tentou se apoderar da movimentação iniciada pelo Movimento Passe Livre para, quem sabe, derrubar os "comunistas" do poder e recolocar o Brasil no "rumo certo".

Mas o grito urbano resistiu. Todas as tentativas da mídia golpista de se apropriar das pautas levadas pela garotada desobediente acabaram frustradas. Nesse ponto, destaco o patético desespero da Revista Veja, que chegou ao ponto de sugerir um líder que, logicamente, se mostrou um indivíduo agressivo, despolitizado e tendente à extrema direita, felizmente desmascarado em tempo recorde.

Passados alguns meses, conforme vários articulistas avisaram, todo o gás coxinha arrefeceu e ficaram apenas aqueles que, de fato, estavam dispostos a mudanças em prol da coletividade e não apenas a mera tentativa antidemocrática de defenestrar o P.T. do Planalto que, goste-se ou não, foi eleito pelo voto popular.

A vinagre maturou, se organizou e, hoje, pautas específicas e pontuais demonstram que os "assassinos" black blocs e seus comparsas não estão interessados em golpe, mas sim em uma revisão das prioridades governistas.

Não vejo mais nas ruas cartazes pedindo o impeachment da Dilma, pena de morte para corruptos ou comunistas ou a restrição dos direitos eleitorais de quem recebe o bolsa família. Vejo sim, uma luta pontual contra a mercantilização dos direitos mais básicos.

A luta urbana hoje, escancara aos lúcidos a falência de nossos sistema de transporte privatizado que, conforme se sabe, é privatizado há muito tempo, antes mesmo do tucanato. Desde a minha infância os cariocas circulam em ônibus fétidos, sem conforto, cujo motor é localizado dentro da cabine de passageiros, ao lado dos pobres motoristas e não vi uma realidade diferente nas várias capitais do Brasil. Não coincidentemente os proprietários das empresas que exploram, à custa de muita agonia humana, o transporte urbano no Brasil esbanjam sua riqueza na cara de quem os sustenta.

Escancarada está a inversão de prioridades do Poder Constituído, covarde demais para se arriscar ao menos a exigir que os contratos de concessão de transporte público sejam cumpridos a contento. Nossos representantes, atualmente, só se importam com a "faxina" da cidade para que nada atrapalhe a Copa (a não ser o caos no trânsito, ocasionado pelo próprio Prefeito Eduardo Paes) e depois continuarão com sua agenda entreguista.

Tivemos sorte, pois nossos coxinhas não dividem espaço, não aceitam a articulação política e tampouco entendem que alguém tire proveito dessa turbulência política. Para eles, fazer política é oportunismo. Para eles, não há área cinza, apenas corruptos safados que, embora sejam corruptos e safados, ainda são melhores do que os comunistas.

Ao observar a situação política na Venezuela e na Ucrânia realmente chego à conclusão de que tivemos sorte. Talvez o leitor não concorde com o paralelo traçado nestas linhas, contudo, me parece óbvio que se nossa elite golpista fosse um pouco mais polítizada e menos preconceituosa, os "assassinos" black blocs não seriam a maior das preocupações do governo.

De tudo o que li sobre a questão ucraniana, nada me retira a conclusão de que um governo corrupto, fisiologista e covarde é o verdadeiro responsável pelo banho de sangue por lá. A mesma sanha golpista que a Ucrânia enfrenta existe aqui, com uma diferença: os fascistas de lá são bem mais corajosos.

Já na Venezuela, a elite da comunicação, ao contrário da tupiniquim, também se articulou, conseguiu lotar a rua e hoje pressiona o regime Chavista. Chaves e seu sucessor foram ambos eleitos pelo voto popular, portanto, por mais que se defenda a sua queda, há que se fazer da forma legal, por meio do voto.

Curioso que, ao contrário do que ocorreu aqui, os líderes da direita golpista, representativa dos interesses meramente comerciais da elite venezuelana tenham, de fato, se permitido identificar (mesmo que momentaneamente) com o grito urbano, a ponto de um de seus atores ser preso por incitar a derrocada da democracia, o vandalismo e a violência. 

Contudo, a mera articulação política não serve para a elite ressentida. Se arriscar ao jogo político não é suficiente. Um golpe é necessário e, como sempre aconteceu na América Latina, os Estados Unidos, com sua usual desfaçatez, apoiam o sepultamento da democracia venezuelana.

Nossa direita, assim como a da Ucrânia e a da Venezuela, sabe que que, no momento, não possui votos para virar o jogo, daí o desprezo ao voto popular e o grito pelo moralismo que, conforme se sabe por nossa história, não resiste à mais singela troca de poder.

Nesse paralelo traçado por mim, vejo também os equívocos do Poder Constituído ao lidar com o grito urbano. O embate direto e violento, o uso de ciborgues encouraçados e a agressão irrestrita e irracional me parece mais um ponto comum entre o Brasil, a Venezuela e a Ucrânia.

Sorte nossa que nossos golpistas direitóides são muito covardes e muito seletivos para se meter com o movimento urbano. Sorte nossa que o esquerdismo do grito urbano é vigilante e não se permite à manipulação mal intencionada. Não se permite apoiar o retorno aos tempos obscuros do nosso recente passado, muito pelo contrário, pois destaca as semelhanças da atuação estatal na forma com que o Poder Constituído, de forma irresponsável e desumana, reprime os desobedientes como nos anos de chumbo. Relembrados, romanticamente, pelos saudosos "homens de bem". Porrada, bomba e fardados adestrados para a desumanidade continuam aí, prontos para defender o Brasil do inimigo interno, agora traduzido em garotos vestidos de preto (ou não), mascarados (ou não).

No final das contas, ao observar nosso vizinho e a Ucrânia, concluo que os brasileiros são sortudos.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Luta, luto e convergência


Imagem retirada do perfil do facebook do Jornal Independente Zona de Conflito
A lamentável morte do cinegrafista Santiago era uma tragédia anunciada. Acho que em relação a isso há unanimidade, o que muda é a exposição dos motivos e o aponte dos culpados.

Cá pra nós, matéria acusando os Black Blocs não falta na imprensa, cibernética ou escrita, o que me estarrece é que tanto a mídia coxinha, quanto os blogues governistas simplesmente tratam o trágico ocorrido com Santiago como novidade, como a primeira morte ocorrida em manifestações.

Fingem ignorar as várias mortes ocasionadas pela brutalidade policial ao longo de toda essa jornada, falecimentos jamais anunciados com tanto alarde, desprezam a dor dos vários feridos e machucados pelos policiais e se recusam a questionar o que fazia Santiago em uma zona de conflito urbano sem qualquer equipamento de proteção.

Simplesmente acusar os Black Blocs como máfia, grupo, bando e de forma generalista seria me contradizer, já fiz o alarde sobre esse erro aqui no blog (em O vândalo é o novo preto ) e não coincidentemente esse erro é cometido de forma bem mais evidente entre governistas (que não vão pra rua) e pelos adeptos da mídia corporativa, que jamais apoiaram qualquer coisa e, se foram para a rua, portavam cartazes pedindo o impeachment da Dilma.

Exigir, ainda, que os manifestantes separem o joio do trigo é simplesmente impossível e incoerente. As manifestações são populares, vai quem quer, até P-2! Ninguém é dono delas. Logicamente, a aparição de figuras que são defenestradas pela maioria esmagadora dos presentes acaba por gerar um comportamento, às vezes até mesmo em manada, de expulsão, conforme aconteceu várias vezes com agentes da mídia hegemônica, agora, não cabe absolutamente a ninguém impedir que um ou outro as frequente. Esse choro me parece coisa de quem nunca foi para a rua ou daquele que, de tanto habitar gabinetes, salas luxuosas e corredores estofados já se esqueceu de como as coisas acontecem.

PT e PSDB (através da mídia que o apoia, já que não faz política) parecem esquecer suas diferenças e se unem no que acham que será o golpe de misericórdia na garotada desobediente. Não poderia ser diferente. Não se briga com os dois maiores protagonistas do jogo sujo político sem que se sofra perdas e elas estão aí. A evidente animosidade da legião teleguiada à ativista Sininho e o reforço de uma generalização ignorante, que trata todo e qualquer manifestante como terrorista são exemplos disso e fruto, não só do abuso midiático da morte de um inocente, mas também de uma tática de arapuca que há muito ronda o grito urbano.

Mo meio de todo este debate, nenhuma das duas correntes acusadoras comentam que a manifestação que culminou na trágica morte de Santiago se dera em virtude do anúncio do aumento da passagem de ônibus que, segundo o Tribunal de Contas do Município, deveria diminuir, considerado o péssimo nível do serviço prestado.

Ônibus sujos e quentes como o inferno denunciam que o grito contra a Copa é mais do que justo. É tarde para se opor a ela? Lógico que sim! Mas, nunca é tarde para se observar que as promessas de melhorias e legado para a cidade são pura conversa. Nem mesmo o transporte, que deveria carregar os adeptos do futebol foi efetivamente melhorado. Muita sorte dos organizadores que o evento ocorrerá no inverno carioca, fosse no verão teríamos centenas de gringos torcedores desmaiados dentro dos ônibus.

Não coincidentemente, a Copa interessa a ambos os grupos mais influentes na política brasileira. 

Não bastasse isso, a organização que apoiou a ditadura me lança a mais estapafúrdia das "pérolas", a manchete do "disse me disse" que acusava o Deputado Marcelo Freixo de envolvimento com o manifestante que disparou o morteiro. Felizmente, nesse ponto, vários dos blogs e simpatizantes governistas não tardaram a repudiar aquilo, o que me deixa minimamente esperançoso de que, um dia, teremos uma campanha para presidente sem a costumeira baixaria orquestrada pelo PT e pelo PSDB. 

Todo esse alarde e esse comportamento novelesco dos dois protagonistas na política nacional antecipam o que será das campanhas eleitorais. Mais sujeira, alimentada por um longo, enfadonho e improdutivo duelo de acusações. Teremos mais dessa política nauseabunda. Cada vez mais acredito que os grandes concorrentes da política nacional se merecem. E o mais irônico disso tudo é que a mais incômoda das coincidências que cercam ambos os partidos é que não importa o vencedor desse vale-tudo eleitoral, ele terá que afagar o PMDB, a ele estarão ambos atrelados e escravizados, devido à sua própria incompetência e comodismo. Comodismo de um, que para se perpetuar no poder se porta de forma promíscua e autoflagelante e do outro, que de tanto não fazer política se acostumou que outros a façam.

Ao grito urbano fica a luta e o aviso. Há muito que o Estado e a Mídia cercam os manifestantes. Tivemos o DOI-CODI Cabralesco, as tentativas de saque ao midialivrismo e a recente campanha de criminalização dos valentes grupos que assessoram juridicamente os manifestantes. A luta será dura, como sempre, mas os eventos ocorridos após a morte de Santiago demonstram que os dois maiores representantes do capitalismo inescrupuloso brasileiro precisarão, ainda, de muito esforço para calar a boca da molecada.

À família do inocente morto fica o luto, o luto perturbado por toda essa turbulência e pelo abusivo uso midiático de sua tragédia pessoal.

Aos protagonistas da política nacional fica a convergência. Convergência na forma lamentável de fazer política.