sábado, 27 de julho de 2013

Batman ou Coringa?

Foto do banco de imagens do STF


A Mídia conservadora e seus seguidores repetiam com entusiasmo as notícias sobre a furiosa liminar proferida contra a Emenda Constitucional 73, que pretendia criar novos Tribunais Regionais Federais. A Associação dos Juízes Federais do Brasil foi pintada como um órgão corporativista, quando, na verdade, defende algo mais do que mera briga de poder ou verba.

O Batman brasileiro segue em sua cruzada contra o banditismo estatal, o problema é que os resultados de sua luta, se colocarmos as coisas sob a perspectiva coletivista, estão mais para a agenda do Coringa. Nessas horas, acho sempre bom lembrar que já tivemos um herói, um vingador, um que caçava marajás e tudo acabou de maneira melancólica.

O texto da Emenda é simples: São criados, ainda, os seguintes Tribunais Regionais Federais: o da 6ª Região, com sede em Curitiba, Estado do Paraná, e jurisdição nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; o da 7ª Região, com sede em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; o da 8ª Região, com sede em Salvador, Estado da Bahia, e jurisdição nos Estados da Bahia e Sergipe; e o da 9ª Região, com sede em Manaus, Estado do Amazonas, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.*

O Tribunal Regional da 6ª Região, com sede em Curitiba, ficaria responsável pelos recursos ajuizados nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. De acordo com o atual sistema, a responsabilidade dos recursos vindos do Estado do Paraná fica a cargo do Tribunal da 4ª Região, que cuida também do Rio Grande Sul e Santa Catarina. Já o Mato Grosso do Sul é de competência do Tribunal Federal da 3ª Região, que já cuida de São Paulo.

Notem que a estratégia é simples, provável que Rio Grande do Sul, com número maior de distribuição de recursos, acabe com um Tribunal para si, como São Paulo, enquanto um novo Tribunal cuidaria dos três Estados que, teoricamente, teriam um número menor de distribuições de recursos.

Vejam que o tipo de ação segue na criação do Tribunal da 7ª Região, que teria jurisdição apenas para Minas Gerais, enquanto que o da 8ª Região cuidaria da Bahia e do Sergipe. O sistema atual fixa a competência do Tribunal da 1ª Região para os Estados da Bahia, Acre, Amazonas, Amapá, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e, finalmente, Tocantis. O Estado do Sergipe, por sua vez, fica por conta do Tribunal Federal da 5ª Região, que já cuida de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas.

O novo Tribunal da 9ª Região, retiraria o Amazonas e mais três Estados do Tribunal da 1ª Região (que continuaria com um acúmulo de Estados nada desejável), enquanto o da 8ª Região tiraria o Sergipe do atual Tribunal da 5ª Região. Mais uma vez, há a diluição da demanda de recursos. Mas que absurdo, não? Que motivo teria a Grande Mídia para apoiar a melhoria dos serviços judiciais nesses Estados longínquos, habitados por uma gente mestiça que não aparece nas novelas e tampouco nos programas de T.V.? 

O gasto para a criação de tais Tribunais é óbvio, tanto que foi alardeado pelas gralhas da Mídia Mafiosa, agora, isso seria simples "gasto", ou investimento?

A pergunta é justa e possui total relação com as constantes questões sobre como agilizar os processos judiciais. O raciocínio é óbvio, a criação de novos Tribunais visa à diluição da demanda. Os recursos direcionados aos Tribunais vão ser processados mais rapidamente. Ao contrário da mensagem mentirosa da Mídia Marrom, o número maior de tribunais só ajudaria a abreviar o lapso temporal gasto com as demandas judiciais, pois cada Tribunal teria menos recursos para julgar.

Como a máxima conservadora diz: "não há almoço grátis". O investimento para isso é necessário.

Ao ser tão enérgico em relação à sustação destes "gastos", o Ministro, realmente, traz uma enorme "economia" para a União, mas priva de um serviço um pouco mais digno os habitantes de vários Estados da Federação, correspondendo ao discurso dos jornalões. Infelizmente, o oferecimento de serviços melhores, principalmente se isso incluir Estados longínquos da Federação, não está dentro da agenda da Mídia Mafiosa. Precisamos de estrutura para negócios, não para humanos. Falta reflexão ao Ministro. Ao que parece, ele esqueceu de sua infância, ele não se lembra mais do que é participar da camada excluída da população.

E eu disse "um pouco mais digno" porque a Emenda Constitucional apenas dirimiria os efeitos de uma cruel distorção no Brasil. A Justiça Federal e os Tribunais Regionais Federais possuem competência para uma série de matérias, merecendo destaque a matéria previdenciária, afeita à grande parte da população pertencente às camadas mais baixas da nossa pirâmide social. Assim, uma pessoa de modestas posses, que resida em uma região cujo Tribunal é compartilhado por mais de um Estado jamais terá condições, por exemplo, de bancar as despesas para que seu advogado possa acompanhar e até mesmo fazer a defesa oral de seu recurso em uma sala de sessões que fica em outro ente da Federação. Isso dificulta, ainda, a obtenção de uma série de medidas de urgência que sejam de competência do Tribunal, como, por exemplo, acompanhar de perto a obtenção de efeito suspensivo de um recurso que será processado e julgado em outro Estado.

Qualquer um que não seja isento de imposto de renda, hoje, pode ter negado o direito à Justiça Gratuita e à Defensoria Pública, e, convenhamos, a alíquota mínima do imposto de renda não indica os rendimentos de alguém que tenha condições de pagar locomoção e acomodação para que seu advogado vá defender seus direitos em outro Estado.

Mais uma vez, os direitos mais básicos da população são mercantilizados, só que, agora, o direito que está no balcão é o de acesso ao Poder Judiciário.

A decisão do Ministro faz eco ao discurso dos privatistas ensandecidos, que gritam de revolta a cada novo "gasto" público e depois ficam nervosinhos quando a filial de sua empresa no Amapá demora a ter um recurso seu julgado no Tribunal Regional Federal. "Nada nesse País funciona!"  Enquanto isso não enxergam que, mais uma vez, o Brasil faz uma distribuição seletiva de direitos básicos. Não comentam que as suas empresas terão gasto, mas pagarão as despesas de seus advogados, todas que forem necessárias para o bom exercício da atividade, enquanto o "Empreendedor Individual" da barraquinha de cachorro quente não terá capital para isso.

Não coincidentemente, o discurso é propagado sistematicamente pela Grande Mídia e seus arautos. Um exemplo disso foi a atualização do status de um dos apresentadores do programa de TV Manhattan Connection no Facebook que, outro dia, simplesmente denunciou a contratação de mais de 3.000 funcionários públicos. O intelectual midiático em momento algum comenta a forma, a função e o motivo das contratações. Apenas vomita o diálogo dos privatistas ensandecidos e é curtido por uma legião deles. Não podemos gastar com mais funcionários públicos! Pouco importa se o contingente de funcionários públicos está ligado diretamente às possibilidades de sucesso do Estado para atender às demandas da população.

Apresentadores de T.V. que recebem ordenados na monta de centenas de milhares de Reais, isso quando não se chega a mais, anunciam sorridentes a "economia" do Governo com gastos em salários "elevadíssimos" para os funcionários públicos que seriam adicionados para tripular esses novos Tribunais, omitindo que através da concessão de um serviço público, ganham sozinhos, mais do que vinte desses funcionários públicos e o pior é que, pelo tipo de "jornalismo" que praticam, servem unicamente aos seus patrões, enquanto os novos "estorvos" para a Administração Pública serviriam à coletividade.

Recentemente li notícias de que a liminar será revertida. Já imagino o discurso revoltado dos monopolistas midiáticos. Vão denunciar e as pessoas vão fazer coro à recusa de elevação dos "gastos" públicos.

O mesmo discurso conservador vem entranhado nas constantes investidas contra os recursos e seus prazos. É constante a ilusão do público geral de que, ao diminuir os recursos na Lei de procedimentos, estaremos abreviando o tempo de julgamento dos processos, quando, na verdade, só há abdicação de direitos, eis que, sem estrutura, o poder Judiciário jamais poderá melhorar sua resposta a uma demanda que cresce a cada ano. A população é levada a acreditar que obterá uma resposta mais rápida do Judiciário, quando, na verdade, não terá, porque a estrutura insuficiente é um fator muito mais determinante do que qualquer Lei processual que diminua prazos ou limite a variedade ou a modalidade de recursos. O povo, enquanto acha que estará diante de uma resposta mais rápida do Poder Judiciário, está a apoiar a rapina de seus próprios direitos, principalmente os da ampla defesa, contraditório e devido processo legal. A ditadura econômica avança...

Não se enganem com a falsa ligação entre a supressão de recursos e rapidez processual. Rapidez de julgamento se alcança com um número compatível de funcionários públicos à demanda judicial. O apoio à renúncia de direitos por parte do cidadão comum só beneficia aqueles que julgam seus recursos com a ajuda de lobistas, em questões que, na maioria das vezes, dizem respeito ao seu interesse privado.


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