sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A grama do vizinho é sempre mais green

Imagem tirada daqui - Occupy Corporatism
"Em sua oposição meramente briguenta nossos políticos mais conservadores não enxergam ou fingem não enxergar o mal que causam. O emagrecimento das finanças federais poderá, em breve, ocasionar a falta da merenda em várias escolas do País, isso sem mencionar as milhares de pessoas que dependem de ajuda direta do Governo para conseguir fazer mais de uma refeição por dia. A política, casualmente, se torna desumana e invariavelmente assim se tornará quando interesses partidários se tornam mais importantes do que a própria missão do político."

O leitor pode achar que tirei esse trecho de algum articulista da blogosfera, mas não. Isso é uma tradução livre que tirei de um pequeno jornal da cidade californiana de Monterey. Infelizmente não achei a versão virtual da coluna para postar aqui, fico com o que levo da memória, a ideia geral que, para este texto, serve muito bem. O repórter falava do shutdown do governo americano.

O primeiro ponto a impressionar é que, segundo o repórter, na meca do neoliberalismo mundial ainda há pessoas que dependem diretamente do Estado para se alimentar. Ora, se o cenário está assim lá, podemos imaginar o que acontece em países como o nosso, que procuram efetuar uma política que "no mais rico dos países capitalistas" continua a gerar diferenciações sociais a ponto das pessoas passarem fome.

Tal qual no Brasil, os conservadores americanos se opõem veementemente à ajuda estatal direta e aos programas sociais de seu governo que, segundo eles (e poderíamos dizer o mesmo dos nossos conservadores) vão transformar os EUA numa nação comunista.

Segundo o grosso da imprensa escrita ou virtual que li da Califórnia (e não perdi tempo lendo cópias americanas da Veja), o principal fator do shutdown do governo americano fora justamente a disputa política sobre o Obamacare,  uma tentativa dos americanos de modificar seu distorcido sistema de saúde que, assim como o nosso, deixa os mais pobres à míngua. Qualquer semelhança com toda a polêmica do Programa Mais Médicos não é mera coincidência.

Assim como os republicanos, que se recusam a reconhecer a dependência de sua economia daqueles que seriam beneficiados pelo programa de Obama, os conservadores brasileiros estavam dispostos a deixar que os vários beneficiados pelo programa Mais Médicos purgassem com toda sorte de doenças para que os médicos estrangeiros (não só "escravos cubanos") não desestabilizassem o mercado através da elevação súbita da mão de obra. Natural que, tanto para conservadores americanos, quanto para brasileiros, o deus mercado esteja à frente dos mortais.

Um outro ponto semelhante no Brasil e EUA que pude notar é a profunda lacuna entre o trabalho da classe política e a representatividade que os elege. Seja nos EUA, na Europa ou no Brasil é evidente que a visão meramente econômica da política ocidental mundial cada vez a distancia mais dos eleitores.

Na verdade, tanto a última crise mundial quanto os focos de revolta surgidos mundialmente em período próximo a ela, na minha opinião, comprovam que o maior desafio da sociedade ocidental começa agora, contra si mesma. Vencida a guerra fria, supostamente, o Deus mercado se tornou onipresente na política mundial e a sua resistência vem e virá internamente.

Felizmente, a mesma globalização que serve para negócios, lucro e domínio econômico converge as forças de resistência e questionamento ao mercado. Quanto mais globalizado for o mundo, maior será a cooperação dentre os que questionam o neoliberalismo, verdadeiro morto-vivo, e isso é confortador.

Assim como no Brasil, há vários americanos ansiosos para confrontar o poder constituído com sua perniciosa agenda de interesses puramente econômicos. É com otimismo que vejo a resistência à despudorada "economização" da política crescer, talvez no mesmo volume com que os tecnocratas acumulam seus bônus, mesmo em tempos de crise e mesmo que seu banco seja comprado ou peça falência.

O conflito de lá, se repete aqui e em qualquer lugar do mundo, o que acho, entretanto, indecifrável no pensamento conservador brasileiro é que vários dos que aqui criticam o Bolsa Família e o Mais Médicos se dizem democratas quando falam sobre política americana.

Não sei se isso é fator da profunda ignorância política de nossa elite conservadora, que, em sua grande maioria, esbarra na ideologia para assumir posições que sejam até mesmo contrárias ao seu ideal neoliberal ou se é aquele velho derrotismo reacionário, típico da "classe média" tupiniquim, que condena antecipadamente qualquer coisa que seja feita, principalmente pelo "governo comunista petralha", mas que serve de rescaldo para a rejeição absoluta de qualquer coisa que tenha cheiro de esquerda. O que sei é que, pelo que parece, políticas sociais americanas funcionam, já as brasileiras não.

Esse comportamento pude ver em junho, quando a massa quase fascista que só pensava em "impeachment", "prisão para mensaleiros" e "pena de morte" abandonou as ruas simplesmente para não se identificar com movimentos sociais que permaneceram na resistência.

Ao ver política como futebol a parcela conservadora da nossa sociedade ignorou o fato de que, mesmo que fizesse coro aos "vândalos" e "baderneiros" na rua, poderia incrementar o desgaste político do governo petista, ou seja, ganho para quem, há mais de uma década, expõe de forma cada vez mais extremada o profundo ressentimento com uma democracia que não se presta única e exclusivamente aos seus interesses.

Ao que me parece, essa recente polêmica na política americana me mostrou mais um fator comum com o cenário político brasileiro. Assim como os conservadores americanos, após tanta polêmica, os conservadores brasileiros obtiveram ganhos reduzidíssimos. Às portas das próximas eleições presidenciais temos Dilma em vantagem absoluta e a oposição de direita se fragmentando, seja pela briga interna no PSDB ou pela inusitada aliança entre Campos e Marina. Ao que parece a esquizofrenia ultraconservadora gera, cada vez mais, reveses aos seus partidários. Das torres de marfim, o grito é cada vez mais baixo, enquanto isso, a plebe desobediente converge, formula suas pautas e questiona quem quer que seja.

A oposição de esquerda, até o momento, não me parece mostrar quais planos possui para as eleições presidenciais, enquanto isso, a garotada pouco se importa, se concentrando em pautas específicas e pontuais, sempre de questionamento e denúncia.

Embora pareça niilista, esse comportamento, politicamente, me parece muita mais produtivo do que o grito surdo e caricato dos nossos demorepublicanos brasileiros, que ora são liberais, ora intervencionistas, ora democratas, ora republicanos, mas sempre contra qualquer coisa com cheiro de "comunismo", mesmo que não saibam exatamente o que isso significa, mesmo que ignorem que o mesmo democrata que admiram, em seu país, também é chamado de comunista pela mesmíssima parcela social de que fazem parte.

Atualização: O Blog Esquerdopata SQN divulgou excelente texto que me remete ao que falo aqui: http://esquerdopata.blogspot.com.br/2013/12/a-oposicao-que-virou-po.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed:+OEsquerdopata+(O+Esquerdopata)


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Brasil exporta conservadorismo

Foto tirada da imprensa portuguesa: veja a matéria aqui
Qualquer um que frequente este espaço sabe que sou fã do Presidente Uruguaio. Na minha opinião, Mujica sintetiza com precisão a evolução do pensamento de esquerda, principalmente da América Latina. Medidas de cunho progressista e social são tomadas sem qualquer ruptura grave, o que alimenta sadiamente a proposta de Mujica de ampla revisão do mundo contemporâneo.

A luta de Mujica não é pela disseminação dos sovietes, mas sim pelo questionamento da ética homicida de mercado, ou seja, apavorante para quem se utiliza de chavões e frases prontas que um "comunista" que não agride impiedosamente a elite mostre que é possível uma revisão do pensamento neoliberal que vem devastando nossa nave mãe sem que sejam tomadas medidas expropriatórias ou antidemocráticas. 

Mujica demonstra o quão vazia é a acusação de que o pensamento contemporâneo esquerdista seria apenas uma nova edição das restrições à liberdade outrora praticadas pelo comunismo.

O Uruguai é um País de reduzidas dimensões, não se tem notícia, fora o eventual chororô ou desprezo de alguns ultraconservadores, como o acéfalo que afirmou que o discurso de Mujica da ONU parecia coisa de hippie velho, que o "próspero" mundo neoliberal se importe com nosso vizinho.

De forma moderada e racional Mujica vai flexibilizando o pensamento capitalista uruguaio e, normalmente, escapa de ações ou críticas mais contundentes. Tomo como exceção, contudo, os comentários da imprensa internacional sobre o projeto de legalização da maconha no Uruguai.

O projeto é inovador, não só por afirmar um início de racionalismo em relação a política de combate às drogas na América Latina, mas também porque, caso consolidado, tornará o Uruguai o primeiro País no mundo a regular diretamente a venda e o plantio da erva.

Ao contrário do que ocorre na Holanda, o bagulho no Uruguai não será negócio e sim política de saúde pública. A restrição de que apenas cidadãos uruguaios maiores de 18 anos possam comprá-la elimina a hipótese do turismo narcótico.

Fora isso, evidente que o Uruguai, ao tomar tal medida, enaltece o debate da legalização na América Latina. Na Zona do Euro tivemos o mesmo fenômeno. Paulatinamente os países vizinhos da Holanda flexibilizaram sua política e hoje há muitos deles que, embora não tenham ainda legalizado, já descriminalizaram o uso da maconha.

Nos Estados Unidos o debate também tem tomado força, Califórnia, Washington e Colorado já tomaram medidas em prol da legalização da maconha para uso médico, embora vários atores do debate confessem que objetivam, também, a liberação do uso recreativo da cannabis. Enquanto isso, os cães raivosos da direita anacrônica se desesperam, pois os malditos maconheiros já conseguiram imprimir suas propostas até mesmo no seio do El Dorado mundial do capitalismo.

A projeção dada ao preço da erva no Uruguai me parece, ainda, um duro golpe no narcotráfico. Segundo fontes na imprensa, a grama da erva por lá custará o equivalente a US$ 1,00, ou US$ 2,50, segundo fontes, uma pechincha perto dos EU$ 8,00 a EU$ 12,00 praticados na Holanda. 

Notável, assim, que o Uruguai inova ao legalizar a maconha sem qualquer intuito econômico. O objetivo de Mojica não é lucrar com o bagulho, mas sim tirar da clandestinidade uma parcela da sociedade uruguaia e, ainda, retirar o caráter policial de uma questão que é eminentemente de saúde pública.

Não que eu seja contra a abordagem holandesa para a questão. Melhor da forma que é lá do que enaltecer o enriquecimento e a violência dos cartéis da droga, contudo, guardadas as evidentes diferenças culturais, o projeto uruguaio me parece a melhor medida já tomada no Mundo em relação ao consumo da maconha.

As declarações do Chanceler uruguaio, de que a medida ocasionaria o aquecimento do debate no mundo, principalmente na América do Sul deixou nossos reacionários de cabelo em pé. Não bastasse ter que tolerar os "desocupados" marchando pela legalização, eles agora precisam lidar com a lições do "tiozinho comunista" uruguaio.

A reação, até agora, foi vergonhosa. Com desgosto, vi que o Uol publicou notícia de que há uma delegação de brasileiros ajudando a oposição à medida no Uruguai. Não bastasse exportarmos bombas de efeito moral, agora exportamos o reacionarismo.

Fora a vergonha que sinto, como brasileiro, de ver uma delegação de reacionários se imiscuir na política alheia, prevejo as profundas dificuldades que teremos para dar à legalização da maconha um enfoque sério e humanitário. Nossos "maconheiros" que se unam, pois temos muito trabalho pela frente, principalmente diante do tremendo poder político do PMDB, partido sabidamente conservador.

O guru dos tucanóides, nosso ex-presidente FHC gostou da medida. Talvez seja esse o caminho, já que para os zumbis midiáticos, o mais importante é papaguear a opinião alheia, ou então, enquanto o PMDB possuir os numerosos assentos no Legislativo que possui, devamos utilizar a abordagem negocial para a legalização da maconha, afinal, o dinheiro me parece a única coisa que sirva de ponte para o diálogo PMDBista.

Confira algumas notícias sobre o assunto nos links abaixo:


Esse link possui uma entrevista com Mujica sobre o assunto: http://www.bulevoador.com.br/2013/09/uruguai-legalizacao-da-maconha/






quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Traição no tabuleiro de coxinhas - Mensalão

Claus Roxin, criador da Teoria do Domínio do Fato, em entrevista à Folha, repudia a forma pela qual foi utilizada pelo STF, fonte: Pragmatismo Político


Peço perdão ao leitor por exumar um assunto já esquecido pela rapidez cibernética, mas há muito que queria reclamar aqui sobre isso.

O julgamento do Mensalão foi um exemplo de convergência das oposições. Com surpresa vi alguns atores virtuais cuja evidente missão é contrabalançar as forças midiáticas a favor do tucanato repetir, à exaustão, notícias de veículos que normalmente repudiam.

Como sempre, a discussão foi radicalizada pelas ideologias sobrando a uns poucos com conhecimento jurídico e alguma moderação fazer esclarecimentos importantíssimos. Ignorados pela grande maioria dos especialistas em generalidades da internet.

Não acho o caso bom para ninguém. O governo, mais uma vez, teve suas entranhas coloridas e não dissecadas pela grande mídia, contudo, o incremento da perda de prestígio da classe política e aí incluo os de todas as posições no nosso cenário político é mais do que evidente.

A oposição de esquerda gritou, o pessoal da rua gritou e no meio a tanta falta de atenção aos escabrosos fatos ligados ao julgamento levantei junto a uma série de amigos uma simples questão:

- Você não acha estranho repetir o discurso da Grande Mídia?

Nada disso importou, o que importava era a limpeza moral da política que, conforme demonstram fatos, inclusive ocorridos mediante a administração paulista dos tucanos, não virá tão cedo. O povo quer exemplos, precisa ver alguém preso para achar que o Brasil mudou, sem saber que pode mudar para pior.

O primeiro ponto foi a enorme discussão sobre o cabimento dos embargos infringentes. No meio da confusão pouquíssimos se deram conta de que aquele recurso, o único que efetivamente examina o mérito, foi responsável por um atraso insignificante se formos observar a data em que o processo começou.

Os palpiteiros acham que há recursos demais, sem fazer a conta entre o tempo gasto com seus prazos e aquele em que o processo purga em poder da Administração Pública.

Esse assunto, no entanto, valeria um outro texto. Prefiro comentar a fórmula mágica utilizada para condenar José Dirceu, aquilo que a mídia vampira comentou muito pouco, mas que na minha opinião merece muito mais atenção do que o cabimento dos embargos infringentes.

A Teoria do Domínio do fato, utilizada para a condenação do líder petista toca em um ponto extremamente delicado, que é justamente a presunção de inocência do Réu. Até mesmo o seu criador, Claus Roxin criticou a forma pela qual ela foi aplicada no caso do Mensalão.

De forma simplista, poderíamos dizer que o erro apontado por ele está no fato de que o que a Teoria Defende é a condenação de quem no momento, devido a uma posição de liderança ou chefia, tinha decisão sobre a prática do crime. O STF, contudo, teria aplicado a teoria baseado na condição de que Dirceu deveria ter ciência do crime, ou seja, presumiu a sua participação.

Os detalhes desse relato podem ser lidos no Pragmatismo Político, até recomendo, eis que o recado direto do especialista teria muito mais acuidade do que qualquer interpretação que eu ofereça ao leitor, o meu destaque, no entanto, se deve ao barulho da Mídia sobre a condenação e o seu silêncio sobre a forma pela qual ela se deu.

Como sempre, nossos oligopólios midiáticos colocam seus interesses de dominação à frente de todos os outros, principalmente dos dos zumbis que a repetem. Na guerra de poder os mais fracos perdem e perdem apoiando quem lhes passa a perna.

Em sua letargia, a massa midiática não entende que a mera presunção de que alguém que chefia uma organização (não falo em quadrilha) sabe e participa de um crime praticado por seus subalternos não atinge somente políticos corruptos, como, aliás, poderia acontecer com os envolvidos no Trensalão paulista, mas também a empresários que, por fatos praticados por seus subalternos, podem acabar no banco dos Réus. 

Até agora, o grito dos conservadores, mesmo dentro de sua lógica deturpada, tinha sentido. Fácil vilipendiar direitos fundamentais de defesa quando não se está incluído no "público alvo" da rapina. Ampla defesa é para corruptos e marginais, homens de bem, que não cometem crimes, não vão precisar nunca se defender.

O problema é que a rapina dos direitos, agora, não se aplica ao "pretinho" da favela. Esse, quando é preso, mesmo que na chefia, não se torna alvo da Teoria, pois seu flagrante está sempre ali, de preferência formando belos mosaicos com os números do batalhão ou da DP que fez a operação. O Mensalão, dessa vez, pode representar um precedente perigosíssimo, mas não para os alvos da punibilidade social e sim para quem delega poder para a prática de atividade econômica.

Em que pese o aceno em prol do combate à corrupção, nada impede o uso da Teoria na atividade empresarial, justamente a menina dos olhos dos nossos direitinhas.

A Mídia nunca fritou seus coxinhas de forma tão maliciosa...

E o Brasil? Bem, o Brasil fica com duas principais hipóteses, igualmente tenebrosas: praticamos um julgamento por exceção ou inauguramos uma prática jurisdicional desastrosa que pode vir não só a desafiar a presunção da inocência, mas sinalizar um precedente perigosíssimo para vários empresários cheirosos, branquinhos e honestos.

Confira a entrevista com Claus Roxin no Pragmatismo Político: aqui

domingo, 20 de outubro de 2013

A lógica no absurdo


Foto do valente Ruy Barros, preso político, para o Jornal Zona de Conflito
https://www.facebook.com/jornalzonadeconflito?fref=ts


Faz tempo que não reclamo. Difícil passar para o digital as ideias das últimas semanas e é justamente devido a esse atraso que volto ao dia 1º de outubro, véspera das minhas férias. Era o meio da tarde quando saltei das barcas, na Praça XV e já fui avisado por um conhecido que não fosse para a Rio Branco, pois a coisa não estava boa. 

Eu sabia que haveria manifestação dos professores, mas poucos dias antes eu tinha acompanhado uma marcha dos nossos mestres pela rua da Assembléia e não houve confusão e por isso fiquei surpreso com a notícia. Precisava pegar o metrô, ia tentar a estação da Carioca, exatamente na Rio Branco e tinha a esperança de que mesmo que tivesse que correr (péssima opção para quem tem um problema de instabilidade crônica no tornozelo) poderia ao menos ver alguma coisa antes de escapar.

No início da rua São José o cheiro de gás já incomodava, mas não piorou quando cheguei na Rio Branco. O incômodo era leve e para quem tem sentido isso desde junho, eu sabia que aquilo era gás já dispersado. As coisas pareciam ter acalmado um pouco. Vi alguns policiais parados de escudo no meio da pista (fechada há horas), enquanto um deles gritava completamente descontrolado com um manifestante que supostamente estaria incitando a multidão contra a P.M.. Saquei meu blackberry , que mesmo tosco, poderia servir para registrar alguma sandice daquele vândalo, mas não acreditava que algo mais violento pudesse ocorrer ali. Só consegui esse flagrante:



Qualquer um que já tenha visto a repressão em sua forma mais maldosa concluiria, como eu, que alguns PM's de farda cinza (e não os temidos mascarados de camuflado) não poderiam causar grandes danos. Na verdade, naquele momento os manifestantes eram maioria, tanto foi assim que a destempero do PM valentão só serviu para ocasionar os gritos de ordem contra a P.M.

Os PM's se ligaram e desceram a Rio Branco em direção à Cinelândia e eu fiquei ali, gritando com os outros. Passaram alguns camburões, um deles com um vândalo de braço para fora despejando spray de pimenta. Gritamos mais. As viaturas pegaram os tais PM's no meio do caminho para a Cinelândia, bem longe dos manifestantes e eu resolvi acompanhar os professores naquela direção. Poderia pegar o metrô lá e pelo menos, antes de chegar em casa poderia engrossar um pouco a ocupação, já que, para mim, essa é a mais urgente das pautas levantadas nos últimos meses. Quando estava bem próximo à Cinelândia vi os caveirões chegarem de sirenes ligadas. Eles pararam colados na calçada da pista da Rio Branco, bem em frente à Biblioteca Nacional e alguns desceram, mas ficaram apenas observando as pessoas que ocupavam a enorme praça da Cinelândia.

Dei uma perambulada pela ocupação, fui para a estação do metrô, apenas para ver se eu poderia retornar por ali, mas as portas da estação estavam fechadas. Olhei em direção aos caveirões e os ciborgues crabalóides já tinham todos descido, estavam em seu aparato repressor completo, inclusive máscaras de gás. Esperava a usual linha de escudos e conclui que iria em direção ao lado oposto da praça, aquele caminho me levaria para a Lapa, uma fugidinha pela Glória e poderia fazer uma caminhada para casa. 

Disse que esperava fazer isso, mas não fiz. Fiquei surpreso aos ver os vândalos, em seu aparato completo, andarem todos em direção ao meio da praça, para o miolo da ocupação, fazendo exatamente o percurso que eu imaginei como rota de fuga. Aquilo não fazia lógica, em linha indiana, para o meio da manifestação? Onde estavam os escudos todos juntos, flanqueados pelos lançadores de bomba e bandoleiros da borracha? Por uns momentos pensei no que fazer, quando então me toquei que a ideia ali não era dispersar, era provocar. Fui burro demais, não notei que os protótipos de stormtroopers* estavam fazendo o mesmo de sempre, tal qual no começo de junho, quando o portão da ALERJ foi incendiado e a polícia, que antes tinha desbaratado mais de 16.000 manifestantes na Presidente Vargas, simplesmente deixou os saques e a depredação comerem soltos. 

Evidente que eles, em fila indiana, como se fossem atravessar a praça queriam que algum exaltadinho lhes provocasse ou jogasse algo. Honestamente, não sei se foi isso o que aconteceu, acho bem provável, mas o que sei é que assim que a fila de PM's sumiu no meio da multidão eu escutei bombas, tiros de borracha e sabia que precisava correr. Fiz o caminho inverso do que pretendia, corri em direção aos caveirões, que me pareciam trancados e vazios, quando cheguei na pista da Rio Branco, vi a bomba do meu lado. Chutei pra longe, minha botina veterana acertou em cheio, mas já havia outra próxima ao meio-fio, do outro lado da rua. Um valente chutou a outra, mas quando estava exatamente no meio da rua, vi que chutar era inútil, pois a pista me deu a clara visão dos vários focos de gás, os vândalos bombardearam a Rio Branco com o mesmo excesso com que agiram aqui na frente de casa, próximo ao Palácio Guanabara. Só em volta de mim pude contar mais de cinco focos de gás. Pelos cálculos do ativismo virtual, no mínimo havia R$ 4.000,00 em gás que eu ajudei a pagar me sufocando. 

Quando cheguei do outro lado da rua via pouco e mal conseguia respirar. Corri para me abrigar em alguns portais laterais da Biblioteca Nacional e vi que algumas pessoas já se abrigavam ali, pareciam da imprensa alternativa, vi o que parecia ser uma mulher de máscara de gás e achei que ia desmaiar. Capenguei para fora dali pela Pedro Lessa, uma pequena travessa para pedestres que durante a semana abriga uns vendedores de cd's e foi quando senti um abraço e um pano molhado na minha boca e no meu nariz:

 - Tá tranquilo irmão? 

A pergunta deve ter sido retórica, pois ele continuou me arrastando até a próxima rua, a rua México. Lá ele falou:

 - Continua indo. Vai pra fora, eu vou pra contenção e vou mandar geral correr pra cá.

O "perigoso" mascarado, todo de preto, me guiou e não me estranhe que o sindicato dos professores tenha prestado apoio público ao Black Block. Saí daquele pesadelo em péssimo estado. A cara ardia, pigarro, ânsia de vômito e pensei na disposição dele. Isso era a véspera da minha viagem de férias. A leve dor no tornozelo, ocasionada pelo pique me dizia que tinha dado sorte, não torci o pé, não caí e não desmaiei, não cheguei nem a vomitar! Muita sorte!  

Confesso que me afastar de tudo isso, depois do chá de gás, foi revigorante, mas hoje me agonio ao pensar que o garoto que me ajudou pode estar entre os 70 "vândalos" que tiveram sua imagem, sua privacidade e sua moral flagelados na capa do Globo.

Os fatos que vi durante as férias e quando cheguei me mostraram que tenho língua de trapo. A macabra opinião que expressei no texto em que mencionei uma matéria da Vírus Planetário infelizmente se mostrou real. Cabral esquentou a tirania.

Primeiro, em sua miopia Constitucional quer proibir as máscaras. Depois de alguns repetecos da política do morde e assopra e ajudado pela mídia corrupta, sagrando-se um mestre na cultura do terror, arbitrariamente lota um ônibus de manifestantes presos. Os zumbis midiáticos se sentem mais seguros, enquanto apoiam a renúncia de seus direitos básicos. São traídos por sua mídia, enquanto a repressão esgana que não se deita ao derrotismo colonizado dos reacionários.

Impressionante como Cabral foi de trapalhão a maquiavélico. Fez um verdadeiro arrastão, ajudado por sua máquina burocrática empurrou todos os 70 flagelados pela imprensa lesa pátria para um dos presídios de Bangu. As fortalezas da punibilidade seletiva já são tantas que de Bangu 1 já estamos chegando no número 10 e foi exatamente essa punibilidade seletiva que vimos fazer efeito naquele ônibus e ele não fez isso para fazer a garotada de meros troféus. 

A luta endurece, a ditadura cabralóide se articula para enfraquecer o grito urbano. Primeiro é a operação de prisão dos administradores dos perfis das páginas Black Block, agora, no novo arrastão, alguns membros da mídia alternativa foram levados, incluindo o fotógrafo Ruy Barros, do tão querido Jornal Independente Zona de Conflito, ou seja, primeiro eles caçam quem eles entendem como liderança, depois quem mais apóia os movimentos, contrabalançando os absurdos da Mídia Marrom.

Mais uma vez temos cadeia para os manifestantes enquanto as prisões arbitrárias, o excesso de violência e o show de abuso de autoridade passa impune. Prisões políticas, obtidas mediante condições absolutamente ilegais são derrubadas uma a uma, felizmente, mas fica o recado:

 - A burocracia nos pertence e será com a sombra das nossas fortalezas da punibilidade seletiva que vamos calar essa gente!

Não vão calar, pois para tudo há uma reação.

Com satisfação noto que uma série de assinantes do velho jornalão irresponsável se revoltaram e cancelaram suas assinaturas. A descoberta de uma página formada justamente sobre esse assunto e o relato de um amigo que, antes mesmo de saber da página, me informou que o escravos do telemarketing Global perguntaram especificamente se a sua desistência se devia à cobertura perniciosa que o Globo tem feito sobre as manifestações me mostraram o poder da resistência individual e espontânea.

O fato de que os próprios leitores desse veículo sensacionalista fizeram parte da reação já me deixa feliz. Os leitores da Mídia Marrom estão cada vez mais atentos, que a cobrança aumente e que o caminho para a queda do cinismo da imparcialidade seja cada vez mais curto.

 O midialivrismo é maior que Cabral, muito maior, assim como o sentimento de resistência. Sentimento de resistência que vi no garoto que me ajudou, no valente fotógrafo preso, nos dedicados profissionais de periódicos como o Zona de Conflito e Vírus Planetário, que já me honraram com publicações.

Meu texto, cheio de saudade desse espaço vai especialmente para os atores do midialivrismo, os verdadeiros guardiões de quem permanece na resistência fraterna. Na rua, sob o gás, nos tornamos todos irmãos!  




Página no Facebook formada pelos leitores rebeldes do Globo: aqui

Saiba mais sobre o cancelamento de assinatura do Globo: no wordpress

Atualização: já que falo sobre a lógica no absurdo, destaco notícia do Globo (sempre ele) , em que a Polícia Militar, em um desprezo cínico sobre as reais causas da violência urbana, culpa o deslocamento de soldados para surrar manifestantes como fator para o aumento da criminalidade: clique aqui para rir ou para chorar

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Mujica na ONU - tradução integral do discurso

Foto retirada da Wikipedia


Trabalho e estudo têm me impedido de postar reclamações neste espaço com a frequência que gostaria. Novos caminhos e desafios demandam esforços e sacrifícios. Abrir a mente para novos conceitos é uma tarefa laboriosa e o esforço, quando praticado para a revisão dos nossos valores, se torna dobrado.

Felizmente, há gente cujas palavras podem ser emprestadas, repetidas e divulgadas.

O portal de blogs O Esquema divulgou recentemente a tradução do discurso de Jose Pepe Mujica na ONU. Tomo como minhas as palavras do estadista mais lúcido em atividade no mundo.

Pepe Mujica me representa, integralmente. Leia, caro leitor, reflita e pense no mundo que deseja para as próximas gerações, para o seu filho, sobrinho ou neto. Pense nisso antes de trocar de celular, antes de comprar uma TV nova ou relaxar na coleta seletiva do seu lixo.

(retirei o resto do meu texto por redundância com o discurso, longo e imersivo)

Divirta-se caro leitor:

Amigos, sou do sul, venho do sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma planície suave, temperada, uma história de portos, couros, charque, lãs e carne. Houve décadas púrpuras, de lanças e cavalos, até que, por fim, no arrancar do século 20, passou a ser vanguarda no social, no Estado, no Ensino. Diria que a social-democracia foi inventada no Uruguai.
Durante quase 50 anos, o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na economia, fomos bastardos do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos o amargo mel do fim de intercâmbios funestos, e ficamos estancados, sentindo falta do passado.
Quase 50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de um rapaz — por que, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são, em parte, filhos de meu tempo. Obviamente, os assumo, mas há vezes que medito com nostalgia.
Quem tivera a força de quando éramos capazes de abrigar tanta utopia! No entanto, não olho para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para cobrar contas ou para reverberar memórias.
Me angustia, e como, o amanhã que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida.
Mas sou do sul e venho do sul, a esta Assembleia, carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América Latina pátria de todos que está se formando.
Carrego as culturas originais esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba. Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não despertar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios na América.
Carrego o dever de lutar por pátria para todos.
Para que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, e carrego o dever de lutar por tolerância, a tolerância é necessária para com aqueles que são diferentes, e com os que temos diferências e discrepâncias. Não se precisa de tolerância com aqueles com quem estamos de acordo.
A tolerância é o fundamento de poder conviver em paz, e entendendo que, no mundo, somos diferentes.
O combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de felicidade.
Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração, pobreza e até autoexclusão.
O certo, hoje, é que, para gastar e enterrar os detritos nisso que se chama pela ciência de poeira de carbono, se aspirarmos nesta humanidade a consumir como um americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para poder viver.
Nossa civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.
Prometemos uma vida de esbanjamento, e, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza, contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais.
O pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas, as únicas que transcendem: o amor, a amizade, aventura, solidariedade, família.
Civilização contra tempo livre que não é pago, que não se pode comprar, e que nos permite contemplar e esquadrinhar o cenário da natureza.
Arrasamos a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.
Cabe se fazer esta pergunta, ouvimos da biologia que defende a vida pela vida, como causa superior, e a suplantamos com o consumismo funcional à acumulação.
A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De salto em salto, a política não pode mais que se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio.
Todavia, as campanhas de marketing caem deliberadamente sobre as crianças, e sua psicologia para influir sobre os adultos e ter, assim, um território assegurado no futuro. Sobram provas de essas tecnologias bastante abomináveis que, por vezes, conduzem a frustrações e mais.
O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a acumulação. A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa nem escapará do sentimento de nação. Sentimento que está quase incrustado em nosso código genético.
Hoje é tempo de começar a talhar para preparar um mundo sem fronteiras. A economia globalizada não tem mais condução que o interesse privado, de muitos poucos, e cada Estado Nacional mira sua estabilidade continuísta, e hoje a grande tarefa para nossos povos, em minha humilde visão, é o todo.
Como se isto fosse pouco, o capitalismo produtivo, francamente produtivo, está meio prisioneiro na caixa dos grandes bancos. No fundo, são o vértice do poder mundial. Mais claro, cremos que o mundo requer a gritos regras globais que respeitem os avanços da ciência, que abunda. Mas não é a ciência que governa o mundo. Se precisa, por exemplo, uma larga agenda de definições, quantas horas de trabalho e toda a terra, como convergem as moedas, como se financia a luta global pela água e contra os desertos.
Como se recicla e se pressiona contra o aquecimento global. Quais são os limites de cada grande questão humana. Seria imperioso conseguir consenso planetário para desatar a solidariedade com os mais oprimidos, castigar impositivamente o esbanjamento e a especulação. Mobilizar as grandes economias não para criar descartáveis com obsolescência calculada, mas bens úteis, sem fidelidade, para ajudar a levantar os pobres do mundo. Bens úteis contra a pobreza mundial. Mil vezes mais rentável que fazer guerras. Virar um neo-keynesianismo útil, de escala planetária, para abolir as vergonhas mais flagrantes deste mundo.
Talvez nosso mundo necessite menos de organismos mundiais, desses que organizam fórums e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas e, no melhor dos casos, não reúne ninguém e transforma em decisões…
Precisamos sim mascar muito o velho e o eterno da vida humana junto da ciência, essa ciência que se empenha pela humanidade não para enriquecer; com eles, com os homens de ciência da mão, primeiros conselheiros da humanidade, estabelecer acordos para o mundo inteiro. Nem os Estados nacionais grandes, nem as transnacionais e muito menos o sistema financeiro deveriam governar o mundo humano. Sim, a alta política entrelaçada com a sabedoria científica, ali está a fonte. Essa ciência que não apetece o lucro, mas que mira o por vir e nos diz coisas que não escutamos. Quantos anos faz que nos disseram coisas que não entendemos? Creio que se deve convocar a inteligência ao comando da nave acima da terra, coisas assim e coisas que não posso desenvolver nos parecem impossíveis, mas requeririam que o determinante fosse a vida, não a acumulação.
Obviamente, não somos tão iludidos, nada disso acontecerá, nem coisas parecidas. Nos restam muitos sacrifícios inúteis daqui para diante, muitos remendos de consciência sem enfrentar as causas. Hoje, o mundo é incapaz de criar regras planetárias para a globalização e isso é pela enfraquecimento da alta política, isso que se ocupa de todo. Por último, vamos assistir ao refúgio de acordos mais ou menos “reclamáveis”, que vão plantear um comércio interno livre, mas que, no fundo, terminarão construindo parapeitos protecionistas, supranacionais em algumas regiões do planeta. A sua vez, crescerão ramos industriais importantes e serviços, todos dedicados a salvar e a melhorar o meio ambiente. Assim vamos nos consolar por um tempo, estaremos entretidos e, naturalmente, continuará a parecer que a acumulação é boa, para a alegria do sistema financeiro.
Continuarão as guerras e, portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça um chamado à ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado crua, sem piedade, e vemos ao homem como uma criatura única, a única que há acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie. Volto a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do planeta de consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também nossa derrota, porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova época. E temos contribuído para sua construção sem nos dar conta.
Por que digo isto? São dados, nada mais. O certo é que a população quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos vinte vezes no último século. Desde 1990, aproximadamente a cada seis anos o comércio mundial duplica. Poderíamos seguir anotando dados que estabelecem a marcha da globalização. O que está acontecendo conosco? Entramos em outra época aceleradamente, mas com políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos velhos ante a pavorosa acumulação de mudanças que nem sequer podemos registrar. Não podemos manejar a globalização porque nosso pensamento não é global. Não sabemos se é uma limitação cultural ou se estamos chegano a nossos limites biológicos.
Nossa época é portentosamente revolucionária como não conheceu a história da humanidade. Mas não tem condução consciente, ou ao menos condução simplesmente instintiva. Muito menos, todavia, condução política organizada, porque nem se quer tivemos filosofia precursora ante a velocidade das mudanças que se acumularam.
A cobiça, tão negatica e tão motor da história, essa que impulsionou o progresso material técnico e científico, que fez o que é nossa época e nosso tempo e um fenomenal avanço em muitas frentes, paradoxalmente, essa mesma ferramenta, a cobiça que nos impulsionou a domesticar a ciência e transformá-la em tecnologia nos precipita a um abismo nebuloso. A uma história que não conhecemos, a uma época sem história, e estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e para continuar nos transformando.
Porque se há uma característica deste bichinho humano é a de que é um conquistador antropológico.
Parece que as coisas tomam autonomia e essas coisas subjugam os homens. De um lado a outro, sobram ativos para vislumbrar tudo isso e para vislumbrar o rombo. Mas é impossível para nós coletivizar decisões globais por esse todo. A cobiça individual triunfou grandemente sobre a cobiça superior da espécie. Aclaremos: o que é “tudo”, essa palavra simples, menos opinável e mais evidente? Em nosso Ocidente, particularmente, porque daqui viemos, embora tenhamos vindo do sul, as repúblicas que nasceram para afirmas que os homens são iguais, que ninguém é mais que ninguém, que os governos deveriam representar o bem comum, a justiça e a igualdade. Muitas vezes, as repúblicas se deformam e caem no esquecimento da gente que anda pelas ruas, do povo comum.
Não foram as repúblicas criadas para vegetar, mas ao contrário, para serem um grito na história, para fazer funcionais as vidas dos próprios povos e, por tanto, as repúblicas que devem às maiorias e devem lutar pela promoção das maiorias.
Seja o que for, por reminiscências feudais que estão em nossa cultura, por classismo dominador, talvez pela cultura consumista que rodeia a todos, as repúblicas frequentemente em suas direções adotam um viver diário que exclui, que se distância do homem da rua.
Esse homem da rua deveria ser a causa central da luta política na vida das repúblicas. Os gobernos republicanos deveriam se parecer cada vez mais com seus respectivos povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.
A verdade é que cultivamos arcaísmos feudais, cortesias consentidas, fazemos diferenciações hierárquicas que, no fundo, amassam o que têm de melhor as repúblicas: que ninguém é mais que ninguém. O jogo desse e de outros fatores nos retém na pré-história. E, hoje, é impossível renunciar à guerra cuando a política fracassa. Assim, se estrangula a economia, esbanjamos recursos.
Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançaram enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas a quinta parte da investigação militar.
Este processo, do qual não podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo, desconfiança, fonte de novas guerras e, isso também, esbanjamento de fortunas. Eu sei que é muito fácil, poeticamente, autocriticarmo-nos pessoalmente. E creio que seria uma inocência neste mundo plantear que há recursos para economizar e gastar em outras coisas úteis. Isso seria possível, novamente, se fôssemos capazes de exercitar acordos mundiais e prevenções mundiais de políticas planetárias que nos garantissem a paz e que a dessem para os mais fracos, garantia que não temos. Aí haveria enormes recursos para deslocar e solucionar as maiores vergonhas que pairam sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, onde se iria sem a existência dessas garantias planetárias? Então cada qual esconde armas de acordo com sua magnitude, e aqui estamos, porque não podemos raciocinar como espécie, apenas como indivíduos.
As instituições mundiais, particularmente hoje, vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.
Bloqueiam esta ONU que foi criada com uma esperança e como um sonho de paz para a humanidade. Mas, pior ainda, desarraigam-na da democracia no sentido planetário porque não somos iguais. Não podemos ser iguais nesse mundo onde há mais fortes e mais fracos. Portanto, é uma democracia ferida e está cerceando a história de um possível acordo mundial de paz, militante, combativo e verdadeiramente existente. E, então, remendamos doenças ali onde há eclosão, tudo como agrada a algumas das grandes potências. Os demais olham de longe. Não existimos.
Amigos, creio que é muito difícil inventar uma força pior que nacionalismo chovinista das grandes potências. A força é que liberta os fracos. O nacionalismo, tão pai dos processos de descolonização, formidável para os fracos, se transforma em uma ferramenta opressora nas mãos dos fortes e, nos últimos 200 anos, tivemos exemplos disso por toda a parte.
A ONU, nossa ONU, enlanguece, se burocratiza por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e, sobretudo, de democracia para o mundo mais fraco que constitui a maioria esmagadora do planeta. Mostro um pequeno exemplo, pequenino. Nosso pequeno país tem, em termos absolutos, a maior quantidade de soldados em missões de paz em todos os países da América Latina. E ali estamos, onde nos pedem que estejamos. Mas somos pequenos, fracos. Onde se repartem os recursos e se tomam as decisões, não entramos nem para servir o café. No mais profundo de nosso coração, existe um enorme anseio de ajudar para que o homem saia da pré-história. Eu defino que o homem, enquanto viver em clima de guerra, está na pré-história, apesar dos muitos artefatos que possa construir.
Até que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante. E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra. No entanto, esses sonhos, esses desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar, passo a passo, as ameaças à vida. A espécie como tal deveria ter um governo para a humanidade que superasse o individualismo e primasse por recriar cabeças políticas que acudam ao caminho da ciência, e não apenas aos interesses imediatos que nos governam e nos afogam.
Paralelamente, devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização.
Há poucos dias, fizeram na Califórnia, em um corpo de bombeiros, uma homenagem a uma lâmpada elétrica que está acesa há cem anos. Cem anos que está acesa, amigo! Quantos milhões de dólares nos tiraram dos bolsos fazendo deliberadamente porcarias para que as pessoas comprem, comprem, comprem e comprem.
Mas esta globalização de olhar para todo o planeta e para toda a vida significa uma mudança cultural brutal. É o que nos requer a história. Toda a base material mudou e cambaleou, e os homens, com nossa cultura, permanecem como se não houvesse acontecido nada e, em vez de governarem a civilização, deixam que ela nos governe. Há mais de 20 anos que discutimos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la no tocante ao planeta. Todos os bancos do poder financeiro se irrompem feridos em sua propriedade privada e sei lá quantas coisas mais. Mas isso é paradoxal. Mas, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é capaz de transformar o deserto em verde.
O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.
Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos, ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização em que fomos desenvolvendo.
Este é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos na causa profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso “nós”.
Obrigado.

Link original: aqui
Trilha sonora: O Novo Aeon, por Raul Seixas, no Grooveshark: aqui


domingo, 15 de setembro de 2013

Salvemos os escravos cubanos!

A polêmica sobre a "importação" dos médicos demonstrou o sectarismo midiático com todas as suas forças. Sabemos que isso é corrente, mas nunca vi ser feito com tanta desfaçatez e cinismo. A opinião pública há muito não esteve tão alheia a fatos e dados sobre uma questão tão relevante e, pior, há muito não demonstra tanto preconceito, obviamente devido ao veneno da Mídia Conservadora.

Tudo começou com as afirmativas de que os médicos, na verdade, seriam espiões comunistas. Francamente, espionar para quem? Para o poderoso Império Cubano, que tomará de assalto o Brasil? Ou talvez eles estejam preparando o terreno para o golpe stalinista...De tão ridícula, essa aleivosia não colou, mas daí houve uma sucessão de sandices assustadoras.

De tudo isso, desde a falta de divulgação de dados e fatos reais sobre a questão, à toxina reacionária desmiolada, o que mais me contrariou foi a repulsa à suposta escravidão dos médicos cubanos, o que me remete à uma questão já abordada por mim aqui .

Os dados de um ótimo blog (Blog História e Política, que pode ser acessado aqui: http://gustavoacmoreira.blogspot.com.br/ ), em sua postagem Parem o moinho, prendam os moleiros , relata que só em agosto de 2013, fora o caso da boutique, tivemos 3 casos de submissão à condição análoga a de escravo, em São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul. Em julho, tivemos mais três casos, em abril mais dois, e respectivamente um caso em março e fevereiro.

Obviamente, o blog menciona os casos descobertos e consideradas a precária estrutura estatal para a fiscalização e as dimensões do Brasil, certamente, neste exato momento, há no mínimo uma centena de pessoas nessa condição.

Nem mesmo no mês em que o problema foi relacionado à realidade ou desejos dos adeptos da mídia coxinha, já que o fenômeno chegou ao mercado das roupas caras, o problema mereceu uma capa chamativa ou a reprovação de um(a) âncora de roupas chiques.  A mesma revista que falou em espiões alerta, ainda, em uma de suas capas, sobre os perigos de se manter os cubanos sob o seu ditatorial regime legal, ou seja, diz se preocupar com o bem estar dos médicos cubanos, mas obviamente faz isso com puro senso político, sem qualquer apego ao humanismo.

Se humanista fosse, demonstraria de forma bem mais decisiva que se preocupa com o bem estar dos trabalhadores brasileiros submetidos à condições semelhantes as que atribui ao regime cubano. O partidarismo da Mídia, efetivamente se sobrepõe a tudo, inclusive ao humanismo, usado de forma camaleônica  e depois essa mesma mídia reclama da violência dos manifestantes anarquistas que os perseguem na rua.

Não entendem a ética e cultura que propagam? Como acham que as novas gerações vão reagir a esse tipo de inserção midiática? Ou ficam violentos pela repulsa ou por corresponder acriticamente (como faz o grosso dos seus seguidores) a essa mensagem!

Por isso que digo que a posição da mídia corporativa no Brasil é nociva são só porque mente, distorce e não se assume como conservadora, direitista e principalmente tucana. É ruim porque continua se arvorando em sua imparcialidade cínica e é a principal disseminadora do sectarismo e despolitização que geram uma elite violenta e preconceituosa. O resultado disso, conforme nossa realidade demonstra, é uma sociedade que encara a dignidade humana de forma míope ou cínica e quem faz isso de caso pensado é, no mínimo, irresponsável.

Lamentável, por fim, que esse verdadeiro câncer midiático tenha desviado a atenção da opinião pública de uma questão tão polêmica e complexa. Há tanto a se debater, como, se de fato nosso mercado não supre as funções necessárias. Pelas explicações do Governo Federal, houve sobra de vagas oferecidas para brasileiros, mas, a vigilância midiática não seria muito melhor se visasse à verificação cuidadosa dessa informação, no lugar de dizer que serão tragos escravos que aceitarão trabalhar por 20% do que ganha um profissional brasileiro?

Poderíamos discutir sobre como adquirir o treinamento necessário para exercer a medicina preventiva cubana, que lá erradicou doenças da era colonial que ainda temos, para, paulatinamente eliminar a participação dos estrangeiros. Discutir formas imediatas de se levar um minimo de acompanhamento médico para lugares longínquos do País. Talvez pressionar o Governo para que obras de saneamento básico sejam feitas com a mesma urgência com que se fala nos médicos, já que a concomitância das duas medidas é essencial.

Enfim, há espaço para um debate rico e sério com uma questão humanitária imediata envolvida e tudo o que a mídia conservadora faz é fingir se revoltar com a suposta escravidão de estrangeiros tidos como verdadeiros párias (tanto que foram recebidos com histeria no aeroporto), enquanto temos uma escravidão real que já massacra nosso povo que é convenientemente ignorada.

Humanistas não recebem escravos de um regime totalitário com berros acusadores. Apenas pessoas violentas, irascíveis, como a mídia que acompanham.

Em seu desserviço à sociedade brasileira, a mídia coxinha não auxilia na resolução de qualquer um dos dois problemas que cito aqui, muito pelo contrário, coloca seus objetivos políticos e econômicos à frente dos direitos constitucionais mais básicos e, se pudesse, deixaria que todos os que dependem desse debate morressem simplesmente para ter munição política para que seu tão amado partido volte ao poder, amado, contudo, nas alcovas e cantinhos, porque fora do armário, a mídia coxinha é imparcial.



Saiba a opinião de um dos mais conceituados periódicos médicos, de origem estadunidense, O New England Journal of Medicine, sobre a medicina cubana aqui

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A Gaiola das Loucas


Foto retirada do perfil do FB do Jornal Zona de Conflito
Detesto bancar o arauto da desgraça, mas em minha última postagem profetizei o que aconteceria no dia 04.09.2013, quando disse que não via recuo algum pelo poder constituído. Para quem não sabe, foram presos administradores das páginas do Black Block RJ, Black Block Niterói e Black Block São Gonçalo, sendo três menores de idade.

Há, ainda, uma manifestante virtual que no momento das prisões se encontrava de férias na Bolívia e que sequer voltou ao Brasil. Vergonhoso que em 2013 uma jovem ativista tenha que pedir asilo político a uma País vizinho simplesmente porque nossa elite letrada, imbecilizada e desinformada pela Grande Mídia deseja apenas manifestantes pacíficos, bonitinhos e cheirosos, que proponham mudanças que não ameacem sua forma medíocre e elitista de viver.

Numa democracia plutocrática, nada mais comum que as forças estatais correspondam ao sectarismo radical que não tolera a exposição das fedorentas entranhas de nossa sociedade. Querem a melhoria das condições do povo, contanto que este mesmo povinho se mantenha no seu lugar.

Por mais que se divirja da forma, muitas vezes radical de manifestação, ao que parece o Governo do Estado, através de sua Polícia e o Ministério Público, órgão supostamente independente, fizeram prisões políticas, já que, a acusação que atribuiu a condição de inafiançável ao crime supostamente cometido não colará. Os membros do órgão sabem disso, no entanto, pelo que parece, a razão é simplesmente intimidar, minar as lideranças das manifestações e, mais do que isso, dar munição à Mídia Reacionária, que, agora, vê os "vândalos" como verdadeiros troféus de caça.

A coisa é tão absurda que um dos "vândalos" presos, surpreso, perguntou como poderia ser acusado de formação de quadrilha com pessoas com quem jamais falou diretamente ou teve contato real. Infelizmente, nada disso importa, importante, mesmo, é corresponder aos anseios de uma Mídia que apoiou confessadamente o regime responsável pelos momentos mais lamentáveis da nossa história e "botar ordem na casa", mesmo que à custa de direitos democráticos fundamentais e, pior, à custa do enfraquecimento da vigilância que os "vândalos" exercem sobre nossas autoridades.

A estratégia é clara: a Mídia Marrom criminaliza os contestadores descompromissados para continuar exercendo sua vigilância tendenciosa e golpista, afinal, para os nossos veículos midiáticos "imparciais" apenas um partido comete crimes no Brasil. O trensalão tucano é apenas uma fantasia, enquanto o mensalão petista é repetido e divulgado incessantemente.

Não que eu seja contra a vigilância da imprensa, apenas me enoja a vigilância seletiva, claramente sectária e tendenciosa, justamente por parte de quem se diz imparcial e, agora, apela ao coitadismo ao ter seus profissionais expulsos da rua. Antes de condenar a falta de democracia nas expulsões, deveriam perguntar o motivo de tanta repulsa. Não ousam questionar, porque a resposta é óbvia.

Para quem tem um mínimo de experiência profissional e contato com a forma de atuar do Ministério Público, tais ações não causam surpresa. Há muito que o Fiscal da Lei age como arauto da punibilidade seletiva, agindo reiteradas vezes, de forma contrária até mesmo à razão e à lei. Seus membros recorrem de tudo que podem, mesmo quando sabem não ter razão e, pior, o oferecimento de denúncias que façam menção a infrações que, de fato, não foram praticadas, com mero intuito de aumento de pena é corriqueiro.

Notem que, em todo caso com atenção midiática, a modalidade culposa de um crime é sempre esquecida e transmutada em dolo eventual, circunstância que agrava a pena. Enquanto os holofotes pipocam, o extremismo punitivo ganha força e assim vamos destruindo nosso sistema legal com modificações conservadores que não resistem à mais elementar análise técnica. Assim foi com a Lei Hedionda, ops, Lei de Crimes Hediondos, que agora abarca o crime de corrupção e assim será se nossos congressistas conseguirem emplacar sua mais nova norma de controle social: a tipificação e agravamento de crimes de dano praticados em manifestações.

Essa atitude extrema, que é institucional, tem o intuito de aumentar a importância do órgão, eis que, sabidamente, o crescimento da população carcerária aumenta a violência, a segregação social e, logicamente, a necessidade de mecanismos que respondam com a mesma violência aos atos praticados pelos excluídos. Essa lógica conservadora, infelizmente, não beneficia a ninguém, nem mesmo ao membros do M.P. que, como cidadãos, estarão expostos às conseqüências da punibilidade seletiva e, por isso mesmo, inútil.

A punibilidade seletiva, no caso do Back Block é evidente. Enquanto os administradores de páginas da internet são presos e acusados de formação de quadrilha, há apenas um procedimento de iniciativa do M.P. que vise à investigação e punição da violência policial, que, logicamente, possui como alvo principal os P.M.'s que lá estavam.

Evidente, assim, que, enquanto soldados da P.M. são investigados e Black Blocks presos a cúpula mandante de todos os absurdos policiais continua livre e desimpedida, tanto é assim que todo o despreparo e brutalidade policiais se repetiram no 7 de setembro.

A simples observação do enaltecimento da mídia marrom à conduta exageradamente punitiva já espelha o comportamento irascível do órgão. Somada a essa atitude agressiva e notadamente institucional, temos a sanha pelos holofotes e, via de conseqüência, um banquete para os exageros nas pretensões punitivas.

Alguns dias depois das prisões uma amiga minha posta no facebook que teria saído na coluna do Anselmo Goes que os membros do MP teriam pedido exoneração do novo DOI-CODI, ops, da tal comissão para investigar vandalismo em manifestações populares. Não consegui confirmar essa informação, o site do Ministério Público, que andou fora do ar no final de semana, recentemente não trouxe qualquer confirmação dessa notícia, contudo, não deixo de destacar a reação dos perfis de facebook ligados às manifestações.

As páginas da "liderança" urbana não tardaram a destacar seu repúdio às prisões relâmpago e relembrar, ainda, que o dito órgão contara com o seu apoio quando da polêmica da Emenda Constitucional que, em tese, suprimiria os poderes de investigação do M.P. Com razão, se sentiram traídos, visto que o Ministério Público, que até então, seria um aliado na vigilância política, se tornou verdadeiro algoz das manifestações.

Pessoalmente, nunca achei tal pauta das mais relevantes, principalmente porque se a tal PEC seria a "PEC da Impunidade", porque temos, hoje, tanta impunidade, mesmo com o M.P. se arvorando na condição de investigador? A minha lógica pode parecer simplória, mas é evidente. A impunidade já existe, assim como a punibilidade seletiva, portanto, a verdade é que os poderes investigativos do Órgão, obviamente, não são suficientes para trazer a devida resposta penal aos verdadeiros vândalos.

Contudo (já que falei anteriormente em maturidade), vejo tais acontecimentos como mais uma oportunidade de aprendizado para os nossos valentes ativistas, por mais que essa sentença me retrate como um adepto do estilo poliana de ser.

A verdade é que política não é para amadores. Todos fazem política, incluído aí, o Ministério Público, portanto, dentre os gritos contrários à PEC da Impunidade, a massa insatisfeita não notou que, fora o poder de investigação, a rejeição da PEC traria importante munição aos promotores quando do diálogo com outras forças estatais.

Na verdade, as manifestações fortaleceram seu algoz. Só espero que, agora, nossos ativistas entendam que estão sozinhos na luta, que o Estado e muito menos a Mídia não os ajudarão.

O poder de investigar traz, não só a suposta garantia de luta contra a impunidade, mas também um importante trunfo para o M.P., que continua a contar com um relevante instrumento de pressão quando do trato com outros atores estatais.

Há muito que denuncio as trapalhadas de nosso Governador. Evidente, assim, que mais uma vez ele obteve sucesso em seu show de absurdos. Através de seu indiscutível autoritarismo, que começou com aquele arremedo de ditadura estadual, Cabral transformou o estado do Rio em uma gaiola das loucas.

Através de seu DOI-CODI Cabral conseguiu unir os atores divergentes do ativismo eis que o PSTU, apesar de publicamente divergir da forma de manifestação do Black Block não se furtou a prestar sua solidariedade e destacar o seu repúdio ao conservadorismo punitivo e midiático. Em sua forma atabalhoada de agir, nosso desgovernador conseguiu demonstrar a todas as diferentes tendências e participantes das manifestações que, apesar das divergências, eles possuem um inimigo comum: o próprio Estado. Meus parabéns, Serginho, quanto mais você aperta a democracia, mais questionamentos você cria.

Temos, agora, Lei Estadual que suprime direitos constitucionais, prisões midiáticas, bem aos moldes do que a Mídia Marrom gosta e uma falsa sensação de ordem.

Até mesmo a Anistia Internacional já destacou o verdadeiro retrocesso representado pelas trapalhadas crabalóides, contudo, é justamente a esse tipo de atitude que ele deve seu Poder nefasto. Se elegeu com voto de cabresto, praticado por milicianos que, conforme demonstraram os veículos sérios de jornalismo, foram socorrer seus mestres na Câmara dos Vereadores.

Enquanto isso, a mídia vampira e seus zumbis se refestelam. Seus inocentes úteis respondem com alívio à prisão dos mascarados, sem notar que em sua maioria, não passam de operários de canudo. Ignoram que dão força a um discurso que os manterá nas mesmas condições, os manterá escravos de uma elite que não é liberal (isso já seria ruim o suficiente), mas sim oligarca. Vilipendiam seus próprios direitos, em sua arrogância ignorante. Continuarão, em sua inocência imbecilizada, sujeitos, por exemplo, a uma alíquota de imposto de renda maior do que pagam os proprietários das Pessoas Jurídicas para as quais trabalham. Continuarão a minguar seus caraminguás para compensar políticas estatais desiguais e a especulação imobiliária que os empurra, cada vez mais, para mais longe dos bairros chiques que tanto desejam. Sem saber, comercializam seu voto e apoiam um sistema que os impede, até mesmo de gozar de forma ampla dos mais simples serviços públicos, mas não se importam, afinal, sempre haverá o metrô de Nova Iorque, a ser visitada em pacotes de turismo parcelados. Parcelados como seus carros, como suas roupas e como tudo aquilo que seu consumismo lhes leva a adquirir. Sequer param para pensar que seu poder de consumo se reduz diariamente e que tal fato não se deve exclusivamente ao Governo dos "comunistas petralhas". Preferem, em sua existência quase vegetativa, sonhar com o BMW do patrão, engrossando as fileiras da enorme base que sustentará os poucos que conseguirão seu lugar no El Dorado capitalista.  E os tapados são os mascarados!

Arnaldo Jabor apoiava a movimentação contra a PEC37: aqui