domingo, 18 de maio de 2014

Reações sistêmicas antissistêmicas

Rafucko mandando o papo reto na Marcha da Maconha (foto roubada da minha amiga Bianca, advogada, ativista, voluntária e que vale por uma passeata)
Há muito que os vários atores da mídia independente denunciam a injustificável omissão dos órgãos públicos destinados à defesa dos direitos fundamentais em relação aos abusos policiais no trato com os manifestantes urbanos.

Aqui no Rio me decepcionei com o trabalho da Defensoria Pública que não bastasse ter se omitido em preparar plantões para defesa das prerrogativas constitucionais dos manifestantes (deixaram todo esse trabalho para as organizações voluntárias) ainda teve uma atuação no mínimo polêmica no episódio que envolveu a desocupação da Favela Telerj.

Continuo admirando o Órgão, que certamente atuará em sede judicial para defender os "vândalos", mas acho que em momentos singulares, deve-se fazer mais do que o programa de costume.

A polícia civil, ao indiciar os PM's responsáveis pela quebra das vidraças na D.P. do Catete demonstrou que não está pela democracia e sim pela proteção de sua instituição. A clara noção desse fenômeno me veio quando fiquei sabendo que o Rafucko* foi chamado a prestar esclarecimentos com base nas denúncias levianas de um dos mais radicais colunistas da Veja.

Tirando o episódio da vidraça, não vi qualquer disposição da Polícia Civil em investigar os mais variados atos de abuso de autoridade e violência desmedida quando da repressão às manifestações urbanas. O que não falta é prova para isso, agora, logicamente, elas não serão encontradas no denuncismo hipócrita e reacionário dos nossos jornalões. Espero estar errado, espero que, de fato, a Polícia Civil esteja investigando a violência policial, mas, nesse ponto, infelizmente, acho que estou excessivamente otimista.

Sinistramente, o Delegado de Polícia Orlando Zaconne, pertencente a uma minoria que defendia a justa investigação sobre o sumiço de Amarildo e uma das poucas autoridades a dialogar de forma lúcida com o grito urbano, foi indiciado em um processo administrativo para apurar crime de prevaricação, eis que teria comparecido ao evento no qual Rafucko entrega um prêmio a um manequim roubado da Toulon sem nada fazer.

As explicações no site do Rafucko demonstram claramente que não houve prevaricação, já que o manequim premiado era completamente diferente daqueles que estavam na vitrine da Toulon. Com ironia fina, o humorista e ativista avisa que são de famílias diferentes.

Lamentável, assim, que a máquina administrativa seja usada devido a uma denúncia leviana, com claros fins políticos, quando bastava à polícia fazer uma pequena pesquisa no site do acusado (!?). Talvez, a mídia independente ainda não tenha credibilidade para nossas autoridades. Isso nem é o pior, já que tudo que é novo causa estranheza, o pior é saber que a Veja tem credibilidade para a Polícia, logo a Veja!

Corre pelos corredores forenses, ainda, um boato (suspirado) de que o Desembargador Siro Darlan estaria sofrendo forte rejeição dentre seus pares por sua opinião em relação às jornadas urbanas começadas em junho do ano passado e que qualquer evolução de sua carreira dentro do Tribunal estaria seriamente ameaçada.

O Ministério Público, teoricamente o Fiscal da Lei, na época do DOI-CODI Cabralesco mostrou bem o lado que tomaria ao participar ativamente da comissão que implementaria este verdadeiro atentado à democracia e às liberdades individuais.

O nosso poder constituído, com o que acha ser um golpe de misericórdia ao grito urbano, vem exercendo toda sorte de pressão aos coletivos de advogados que defendem os direitos fundamentais dos desobedientes e aos mais variados acadêmicos que, com a curiosidade oriunda de quem observa os conflitos sociais, dão apoio filosófico para os revoltosos. Ao sistema não interessa que o Vinagre se mature e sim que se marginalize.

A tática de arapuca contra a garotada desobediente era óbvia e foi denunciada por vários atores da mídia independente, inclusive por este blogueiro chato. Assim, não me restou outra atitude senão a lamentável constatação de que a garotada estava sozinha, totalmente sozinha, tirando sua valente rede de apoio e que o poder constituído jamais faria qualquer coisa para garantir seus direitos fundamentais de liberdade (propriamente dita e de expressão).

Pressão por todos os lados, tiro, porrada e bomba, assim como sufocamento das redes de apoio pareciam ser uma tática infalível para acabar com a bagunça. Contudo, não é o que vejo. A rua continua aí, em todos nós, e eles ainda vão ter que engolir muita baderna.

Apesar desse cenário aterrador, algumas atitudes recentes de órgãos públicos e do sindicato de Delegados do Rio me deixaram mais esperançoso.

A primeira delas foi a ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo visando à reparação moral pelos incalculáveis danos causados pela ação policial psicótica na desocupação de Pinheirinho. A atitude pode parecer tardia, mas sinaliza, ao menos, uma reação em prol dos desvalidos.

Já o Ministério Público aqui do Rio, após um melancólico passeio de mãos dadas com nosso Governador, recentemente acusou o Secretário Estadual de Segurança Pública por crime de improbidade devido a fatos relativos à locação de viaturas policiais.

Provavelmente insatisfeito com seus caciques, o Sindicato de Delegados do Rio efetuou uma representação frente à Corregedoria Geral contra a chefe da Polícia Civil, também por improbidade.

Talvez os fenômenos mencionados aqui não tenham relação, mas acho que ajudam na luta, pois munição útil faz estrago.

O uso dos mecanismos do sistema para assegurar a defesa contra os seus abusos, ainda que de maneira isolada, é revelante e deve não só ser observado como explorado.

Fora isso, tais fatos demonstram que ainda há um discurso divergente ativo dentro do sistema e que a luta interna é tão importante quanto aquela praticada pelos "excluídos" (seja de representação ou dos direitos mais básicos para a dignidade humana). Quem sabe um dia não saiamos do topo do ranking de medo da tortura policial?

Os tecnocratas que tremam, porque até mesmo os sistema que garante seus privilégios pode oferecer resistência e muito efetiva. Ainda teremos muita oposição pela frente e mesmo com Copa, o grito "não vai ter Copa "nunca se mostrou tão digno de uma análise profunda. Aos que temem a mudança ou acreditam nela através da eleição de novos (ou antigos) tecnocratas, um beijinho no ombro.

* * *

Rafucko é artista e comediante independente. Segue o site e dele e, se puder, contribua para seu talk show: http://rafucko.com/

Uol noticia a ação da Defensoria Pública de S.P.: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/03/19/defensoria-publica-pede-r-10-milhoes-para-indenizar-moradores-do-pinheirinho.htm

Notícia de O Dia sobre a ação do MP do Rio: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-14/ministerio-publico-acusa-beltrame-de-improbidade.html

Notícia de O Dia sobre a representação do Sindicato de Delegados: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-14/corregedoria-vai-investigar-ex-chefe-da-policia-civil.html

Finalmente estamos no topo de algum ranking, o do medo da tortura policial, por Pragmatismo Político: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/o-ranking-mundial-de-medo-tortura-policial.html


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