segunda-feira, 12 de maio de 2014

O terrorista perdoado


Votei em Fernando Gabeira para deputado federal mais de uma vez, independente do partido a que estivesse filiado. Na verdade, meu comportamento foi típico do leigo político que sou, que visa à cara do sujeito e não à conjuntura política.

Em uma época em que o Brasil era ainda mais conservador, eu achava que ele poderia levar discussões e debates importantes para o Legislativo. Lembro da primeira vez em que o vi pessoalmente. Ele fazia campanha para o governo do Estado e eu sequer tinha idade, mas tinha certeza de que votaria nele.

Foi um dos primeiros políticos que vi falar abertamente sobre homossexualismo, legalização da maconha, aborto e outros assuntos hoje considerados como da esquerda caviar. Era conhecido pela tanga de crochê na praia e chamado de viado maconheiro por todas as figuras autoritárias que passavam pela minha frente. Como não votar nele? Talvez tenha sido ignorância minha, mas, convenhamos, a diversidade de informação da mídia, na época, era inexistente.

Confesso que me desanimei ao vê-lo se aventurar a eleições majoritárias. Não só devido às estranhas alianças do PV, mas também, por que acreditava que ele faria muito mais diferença como parlamentar do que como pretendente ao Executivo. 

Gabeira teve a minha solidariedade no início do Governo PT, quando foi deixado horas por José Dirceu (que já dava sinais do fisiologismo antropofágico de seu partido) em uma sala de recepção e, depois, foi embora visivelmente abatido. Lembro que, na época, os conservadores se refestelaram, acharam uma graça danada e diziam que comunista era tudo traidor.

Não sei se ele se aventurará a novas eleições, seu programa em um dos canais da Rede Globo e blog me deixam a certeza de que ele anda bem ocupado, com um trabalho de qualidade bem superior ao que normalmente vemos nos grandes meios de comunicação, mas tenho certeza que não votaria nele.

Não entendo mais Gabeira. Isso não é uma reclamação: é uma constatação, simplesmente não sei mais qual é a dele e não posso votar em alguém cuja direção eu não compreenda bem. Seu blog menciona a Mídia Ninja, no texto que me parece alfinetá-los, ele fala em liberdade e parcialidade da imprensa, enquanto usa evidências da mídia oligopólica para insinuar roubalheiras e arranjos com o dinheiro público e praticamente ignora os vários outros coletivos.

Para quem acompanhou o debate trazido pela mídia ele poderia, para reforçar suas críticas, ter mencionado os outros coletivos, lhes dar espaço, no lugar de simplesmente taxar todo o trabalho feito com críticas que se referiam apenas ao Mídia Ninja. Poderia ter exposto os variados jornais e blogs independentes não governistas que também estão na rua e vivem à míngua e, quem sabe, aprimorar a cobertura independente.

Discordo, ainda, quando ele fala sobre a abrangência da mídia tradicional. Na verdade houve sim um comportamento pendular da mídia, que não deixou de se ligar nas redes sociais, contudo, ignorou, em seu texto, as incongruências perpetradas pelos grandes canais de comunicação, expostas pela garotada urbana como nunca visto antes. 

O texto de Gabeira sobre o Mídia Ninja é de agosto de 2013, uma época em que, embora houvesse muita atenção para o Mídia Ninja, vários outros coletivos que se colocavam (assumidamente) ao lado dos manifestantes já eram conhecidos. Qualquer interessado que não se resumisse à perseguição perpetrada na época pela grande mídia ao Fora do Eixo poderia ter conhecimento dos outros coletivos e poderia ter analisado, mesmo que também criticasse, o trabalho deles. O texto reproduz uma crítica corporativa à mídia independente. Para minha decepção, Gabeira não saiu do óbvio trabalho da mídia hegemônica.

Note caro leitor, que minha decepção não vem da posição adotada, mas sim pela adesão ao comportamento da mídia sistêmica sem nada acrescentar. Não vi qualquer novidade em seu texto e em uma realidade em que se discute tanto as multiparcialidades jornalísticas, esperava mais do meu ex-Deputado.

A crítica e o posicionamento não são estranhos a outros que possuem programas na Globo ou na CBN, são estranhos, na verdade, ao Gabeira que, antes, imagino, usaria seu espaço nesses meios justamente para afinar a crítica e trazer um discurso à esquerda dos que normalmente têm acesso à grande mídia.  Esperava algo mais do que mero moralismo e indícios, sem que fossem mostradas de forma satisfatória, as fontes de sua afirmativa sobre o mau uso da verba estatal.

Seus textos batem forte no P.T., quase que praticamente sem falar em qualquer outro partido, mas justamente nos mesmos assuntos tão deflagrados pela Mídia. O Blog, há tempos que se concentra em oposição específica e virulenta ao governo e repete as críticas e o foco de vários outros colunistas da mídia corporativa. Está no direito dele, mas para quem normalmente expunha suas ideias com maior profundidade e lucidez, Gabeira, mais uma vez, fica na repetição do que outros fazem e de forma muito mais apreciada pela direita raivosa.

Não vejo mais uma luta pela reforma e reflexão profundas de nossos valores. Gabeira, hoje, pelo que me parece, se limita à ecologia e repetição da Mídia que hospeda seu programa de TV, o mesmo foco, o mesmo teor de crítica.

Se o seu blog se baseia em oposição ao P.T. e eu não o vejo interagir com os movimentos de oposição que, hoje, estão ligados às causas que o fizeram me conquistar quando garoto, como localizar Gabeira no cenário político? Direita? Ou será centro-esquerda isolada? Talvez esquerda excêntrica, ou será esquerda caviar disfarçada? Talvez Gabeira seja uma cabeça de ponte progressista nas linhas de frente conservadoras. Talvez nem mesmo Gabeira queira se classificar e seja o mesmo enigma político para si mesmo que é para mim.

Gabeira, hoje, me parece fazer críticas mais apreciadas pelos que acham que o crime de ter feito parte da luta armada contra a ditadura é imprescritível, acho que no mundo coxinha, virou um terrorista light, do tipo que sequestrou um embaixador, participou de assaltos e pôs em risco a "segurança" garantida pela ditadura aos homens de bem, mas no fundo, também é gente de bem. O terrorista está curado e, se está curado, obviamente está perdoado.

Basta trabalhar pra Globo e desferir golpes contra o governo petralha comunista para ser um terrorista perdoado? Indago, então, o motivo pelo qual outros terroristas que, hoje, apesar de fazerem parte da oposição, continuam estigmatizados como meros defensores das atrocidades típicas dos regimes que adotaram a economia de Estado.

Será que ele continuará a ser perdoado se for à Marcha da Maconha? Ou será que o seu perdão será revogado se ele for flagrado na companhia de outros terroristas? Pelo que me parece, Gabeira é perdoado justamente por seu isolamento, pois em seu isolamento, Gabeira canta, mas não faz barulho. O jeito é continuar a escutar Gabeira cantar, na esperança dele fazer barulho. Espaço, inteligência e notoriedade ele já tem... 

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