quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O Júbilo, o mito e o constrangimento.


Foto: Django Unchained, do Tarantino

As recentes declarações do candidato tucano em defesa da redução da maioridade penal como meio de "acabar com a sensação de impunidade que reina no País" trazem mais uma vez o importante debate sobre o tema.

Em relação  ao discurso ilusório em defesa da redução da maioridade penal cito dois ótimos textos ao final e por isso peço licença para me desviar do assunto.

Já manifestei nesse espaço o que considero o mito da impunidade, por meio do texto Pedrinhas no sapato dos sanguinários (http://vmucury.blogspot.com.br/2014/01/pedrinhas-no-sapato-dos-sanguinarios.html ), contudo, provocado pela inconsequente declaração do último colocado do G-3 eleitoral, faço mais uma reflexão relacionada ao assunto.

Identifico três personagens nessa questão relativa aos justiceiros, os arautos do desejo de parte da sociedade civil de se defender das consequências de nossa legislação "favorável" à bandidagem. O júbilo desumano, o mito do brasileiro sangue bom e o constrangimento dos que defendiam aquilo sem pensar e depois se tocaram que, de fato, os comunistas podiam ter um milionésimo de razão, já que uma moça de bem, casada e com dois filhos foi assassinada barbaramente, através do mesmo tipo de julgamento sumário que se deu sobre o menor infrator, marginalzinho que atuava no aterro do Flamengo, que foi amarrado nu ao poste, nos relembrando dos antigos pelourinhos do Brasil escravocrata.

Qualquer forma de repúdio, mesmo que fosse em favor da punição da criatura de acordo com a lei, era vista como simples peninha de bandido. Os reacionários raivosos babavam para qualquer alma, não caridosa, mas civilizada que repudiasse aquele vigilantismo. Como exemplo, destaco que vi um cibercomentarista que defendia a urgente redução da maioridade penal - para que os marginaizinhos fossem presos o mais cedo possível - ser repelido e chamado de hipócrita, leniente e várias coisas piores por centenas de pessoas. Para os seus histriônicos ofensores a única solução aceitável era a morte com requintes de crueldade.

As pessoas não podiam ser calculistas e exigir o isolamento de um adolescente de 15 anos por um sistema que praticamente já o pune como um adulto. Que o aprisiona dentro de um gueto marginalizante que irá se reproduzir quando ele se tornar adulto. A pena estatal de prisão, agravada pelo estigma social e pelas condições de instalações absolutamente inadequadas, será inevitável, se ele der sorte quando for adulto. Para outros desses agraciados pela menoridade penal com menos sorte, a pena social da morte é o destino, antes ou depois de se tornar adulto e apto ao "justo" encarceramento.

A verdade é que com a política carcerária que temos, pedir o cumprimento da Lei com a apreensão do menor e a prisão do maior, nada mais é do que ser calculista, verdadeiramente calculista por sabermos que ser ordeiro é condenar o pequeno ladrão a uma pena muito pior do que o tempo de cadeia.

Comemorar e enaltecer aquele ato bárbaro era necessário, era necessário o júbilo. O júbilo pelo sofrimento daquele ser repulsivo unia um pensamento extremamente conservador, fruto da eterna política do medo como combustível de consumo. As pessoas acham que estão sendo enérgicas, que estão sendo valentes e lutando contra aquela ameaça, no entanto, a minha leitura é que aquilo expressa um medo extremo, neurótico. O medo nos torna desumanos, insensíveis, o sentimento humano de amor próprio, assim como pelos próximos, gera o desejo desumano de ver aquela ameaça acorrentada, humilhada e melhor seria se fosse morta. Somos um paradoxo incompreensível.

Vi um comentário que falava em solução final para criminalidade nas nossas cidades ser curtido por um número enorme de pessoas. Sim, o brasileiro com acesso à T.V., internet, smartphone e tablet falou em genocídio com uma naturalidade aterradora.

Dentre as mais famosas vedetes da barbaridade podemos citar a moça loira, nova, bonita, casada, mãe e conceituada profissional do SBT, que desferiu todos os chavões fascistas possíveis nos poucos segundos em que expôs sua "iluminada" opinião. Reconheço que é preciso talento para a façanha e não à toa, foi tratada (e ainda é) como um oráculo.

Os defensores dos bandidos, esses malditos terroristas esquerdóides, deveriam levar o marginal para casa, afinal, a omissão estatal justificaria a atuação precária e amadora dos vigilantes. Falta polícia, despimos, batemos e prendemos no poste. Falta comida e abrigo, os esquerdistas que os sustentem com seu dinheiro.

Pena que essa lógica direta de substituição estatal não foi empregada na sujeirada resultante da greve dos garis no carnaval. A histriônica mocinha poderia chamar seus fiéis a obrigar os ébrios, sob chicote, a catar latas de cerveja na rua.

O velho mito da cordialidade brasileira cai ali. Mais uma queda, dentre todas as outras que sofre diariamente quando furamos as filas, não respeitamos os assentos preferenciais, quando dirigimos como loucos numa disputa milimétrica de segundos em cidades completamente engarrafadas.

Essa semana observei estarrecido um cidadão em um carro zero, dos mais modestos, desses de R$ 50.000,00, buzinar furiosamente para um guarda que segurava o trânsito, apesar do sinal verde, para desafogar um desses milhares de cruzamentos entupidos de carros. Quando dirijo, noto que é cada vez mais natural uma ou duas buzinadinhas rápidas assim que o sinal abre, provavelmente uma forma neurótica de avisar que o sinal abriu. Cada vez que tento sair da minha garagem sou ameaçado com aceleradas que tentam me bloquear, mesmo quando o sinal, que fica distante vinte metros da saída do meu prédio, está fechado. Acho que de todos os solos escorregadios, o trânsito do Rio deve ser o lugar onde o mito da cordialidade brasileira mais leva tombo.

O constrangimento, que pouco mencionei, veio quando explodiu a notícia de assassinato, sob tortura, de uma mulher que pensaram ser sequestradora de criancinhas. Um silêncio ensurdecedor por parte de todos os que defenderam aquela barbaridade denuncia esse constrangimento, cuja dedicação deste texto é tão escassa quanto a sua ocorrência no nosso convívio social.

O júbilo é constante, já que a violência é sempre notícia, o mito cai todo dia, porque o brasileiro, mesmo (e, talvez, principalmente) a elite, é extremamente mal educado, mas o constrangimento é sempre momentâneo. Quando a notícia esfria, ele acaba. Se é para ser radical, para cada risada e comemoração de atos de justiceiros deveríamos prender um cadáver sobre a TV das pessoas. Quem sabe se dessa forma o constrangimento se torne constante? Se não conseguimos ser humanos por solidariedade, que sejamos por constrangimento, a única coisa que nos resta em uma sociedade em que é vergonha ser pobre, mas ser bruto não.

Outras Palavras comenta aumento de pena para menores: http://outraspalavras.net/blog/2014/05/18/aumento-da-punicao-unico-investimento-nos-adolescentes/

O craque Marcelo Semer que, com muita propriedade e experiência, também comenta os equívocos sobre a redução da maioridade penal: http://blog-sem-juizo.blogspot.com.br/2013/01/reduzir-maioridade-penal-e-equivoco.html

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