terça-feira, 9 de setembro de 2014

Caso Aranha: apenas racismo?


O racismo expressado por vários torcedores do Grêmio (e não apenas pela única flagrada e flagelada) expõe as entranhas de nossa sociedade, isso apesar do grito conservador constante de que o brasileiro não é racista e que o problema se resume a coitadismo.

Ora, é racista sim, isso ficou mais do que evidente. Simplesmente não compro a balela de que a expressão "macaco" não possuía cunho racista. Nada mais racista do que isso. "Macaco" sempre foi o derradeiro recurso ofensivo dos racistas e possui o óbvio objetivo de depreciar a etnia e ligá-la a um degrau mais baixo da evolução.

Escolhido o bode expiatório, a descabeçada menina que diz que o Grêmio é sua paixão e tenta, entre choros e soluços, ligar seu fanatismo futebolístico à lamentável conduta que produziu, deixa escapar a sociedade a necessária reflexão, afinal, o brasileiro não deve se arrepender após ser racista, mas sim defenestrar definitivamente esse comportamento que já humilhou e matou tanta gente, que já negou oportunidades e já condenou uma enormidade de brasileiros à pobreza e à marginalidade.

Qual morador branco da Zona Sul do Rio (e inclua aí qualquer outra área nobre de qualquer cidade) nunca foi racista? Qual de nós nunca fez um comentário desagradável ou uma brincadeira idiota de cunho racista? A questão verdadeira é: quantos de nós procuram nunca mais fazer isso na vida? Quantos de nós ainda precisam se policiar e, se precisam, procuram fazer isso? O que estamos ensinando aos nossos filhos?

Inocentes são os que acham que o racismo, ainda hoje, não se reflete na condição social da juventude negra.

Na web, não faltaram acusadores, cobertos de razão, pois o repúdio público é necessário. Logicamente, raras foram as manifestações de solidariedade à torcedora. Vi uma matéria em que se afirmava que ela não era racista, já que possuía amigos negros, que não tardaram a defendê-la. Uma outra destacava uma imagem da menina, enquanto trabalhava junto à população pobre, o que seria uma comprovação de que o ato foi apenas um acidente de percurso. Vi um texto, cujo link está abaixo, no qual se faz uma longa narrativa sobre os motivos pelos quais o goleiro teria sido chamado de macaco que, segundo o gremista autor, não possui qualquer relação com racismo.

Eu não estava no estádio, não posso afirmar se, de fato, a torcida foi racista, mas, após ler o texto noto que, na realidade, a expressão é de fato injuriosa, depreciativa e, conforme nossa própria história demonstra, constantemente ligada ao racismo. O simples fato de se chamar um indivíduo de macaco remete ao racismo da expressão, à tentativa de depreciar o alvo da injúria que, mesmo não sendo negro, merece ser ofendido como um. Ainda que a torcida gremista não se muna de racismo ao entoar a expressão, entendo que a conduta deveria ser evitada, afinal, sabe-se lá quantos torcedores, de fato, lembrem da narrativa histórica gremista ou apenas dão vazão ao seu preconceito.

Ainda que a expressão não seja racista, ainda que a menina não seja racista, nada disso apaga a estupidez de certo tipo de torcedor de futebol, que, em bando, se porta como um babuíno enfurecido (macacos?). Grita, faz pose e grunhidos junto com seu bando (macacos?). Se movimenta em transe, se aperta, se espreme, se empurra (macacos?). É capaz de partir do regojizo ao ódio instantâneo e brutal ao grupo rival (macacos?). Afinal, acho que Luciano Huck, em sua campanha parasitária, tinha razão, somos todos macacos.

O lamentável ocorrido nos trouxe a oportunidade de não só refletir sobre  o racismo, presente nos estádios de forma corriqueira, afinal, esse não é o primeiro nem será o último episódio em que torcedores de futebol se portam de forma racista, que o diga o jogador da seleção que comeu uma banana em campo, mas de repensar a forma pela qual torcemos.

É mais do que evidente a necessidade de revisão da atitude dos torcedores que vão ao estádio. O racismo, presente ou não no episódio (deixo isso pela consciência de cada um) é apenas mais uma faceta do comportamento em manada que toma conta do torcedor que, não raro, se sente protegido pela turba. Dessa vez temos o racismo ligado ao negro, mas de chavões preconceituosos as arquibancadas estão cheias! Viado e paraíba, talvez sejam tão constantes quanto macaco ou crioulo. Depois vem o puta ou piranha, normalmente reservado às moças incautas que passam perto da torcida rival ostentando o uniforme de sua preferência e por aí vamos descendo uma triste escadinha de pura ignorância.

Dessa vez chamaram o cara de macaco. Mas quantas vezes esses mesmos torcedores não agrediram seus rivais? Às portas da copa do mundo tivemos um evento desses. Quantas mortes já tivemos devido à estupidez de futemaníacos que acham que seus times são a coisa mais importante do mundo?

Pessoalmente, acho patológico que alguém se deprima, brigue ou até mesmo se ofenda com futebol, contudo, o fenômeno é tão constante no Brasil que eu devia ter medo de expressar isso. Num país em que a hombridade é medida pela possibilidade de virar a casaca e que indivíduos escolhem suas amizades baseadas no time de futebol, não me parece estranha a possibilidade desses mesmos torcedores se agredirem e se matarem.

Desde quando a paixão e a emoção se converteram em obsessão e fanatismo? Desde quando a galhofa e a rivalidade se tornaram ódio e insensibilidade? Não podemos mais usar nossos estádios como via de escape para recalques e preconceitos. 

O racismo e a agressão física, na realidade, são apenas lembranças da crueldade extrema que comumente habita a mente do torcedor, enquanto se dedica ao esporte que ama. Já vi, por exemplo, aqui no Rio, torcidas rivais criarem cantos para fazer chacota de um lamentável acidente que vitimou a torcida do Flamengo: Nada mais gostoso que cair da arquibancada, Raça Fla, ja experimentou! A galhofa pode ser saudável, o prazer pelo sofrimento alheio jamais será. A torcida do Flamengo não é santa, já se utilizou desse tipo de coisa, esse é apenas um exemplo. Eu sei, também, que a musiquinha é velha, mas não tão velha quanto a crueldade do torcedor de futebol.

A verdade é que acontecimentos lamentáveis envolvendo torcedores vêm se repetindo, há tempos incontáveis e é a hora de, no lugar de tratar tais fatos como meras exceções ou escolher um culpado, civilizar os estádios, isso se o mito do brasileiro cordial permitir...


* * * *

A "verdade" sobre o "macaco": http://gremio100mil.blogspot.com.br/2014/02/o-porque-do-macaco-verdade-sobre.html

Ótima reflexão sobre a cultura do bode expiatório: http://andreluizvbtr.blogspot.com.br/2014/09/patricia-moreira-e-institucionalizacao.html?spref=fb

2 comentários:

  1. Muito bacana o post, levanta muitos pontos interessantes pra debate. Vou comentar por partes.

    Eu mesmo fui um desses acusadores da menina e fiz posts a respeito. Tem coisa que simplesmente "sobe à garganta" e a gente tem que compartilhar. Em tempos modernos, fazemos isso nas redes. O sentimento racista é muito antigo e vem de contextos sociais completamente diferentes do que vivemos hoje. Por isso, como você mesmo disse, todos já fomos racistas em algum momento de nossas vidas. Assim como somos preconceituosos em relação à religião e opção sexual (aí tem pano pra muita manga). Mas acredito muito que devemos repudiar e excluir qualquer comportamento do tipo em prol do futuro. Sendo bem superficial, criança que não vê o racismo, não se torna racista. Mas o princípio é esse. Já que ainda carregamos certos comportamentos do passado, vamo guardar isso lá no fundo e não contaminar as próximas gerações com preconceitos. Acho que é um bom passo pro futuro.

    Quanto ao comportamento dos torcedores, acho que o que você descreveu não se limita ao esporte (nem ao futebol eu limitei aqui). Acho que o ser humano, quando em grupo, assume seu lado mais irracional. Não é igualzinho ao "Lado A, Lado B" daqueles bailes funk de antigamente, que nem sei se ainda existem? Guerras inteiras por fanatismo religioso. E outras tantas por interesses econômicos (essas, aliás, pra mim são as piores de todas. Fico besta com o que o Homem faz por algo tão pequeno como dinheiro).

    Acho que o "torcer" pode sim ter um lado muito bonito. Incluindo amizades que você não escolhe por causa do time, mas que se criam e se tornam mais fortes por tantas experiências em conjunto indo a estádios e e se reunindo pra torcer.

    Vejo o futebol como uma forma de storytelling em tempo real. Quantas vezes lemos um livro no qual nos importamos tanto com o personagem principal, que ficamos mal quando algo ruim acontece com ele. E saímos realmente contentes quando ele atinge um objetivo. Futebol, pra mim, é igual. É um personagem em campo com o qual nos importamos muito e exultamos suas conquistas e lamentamos as suas derrotas.

    Obviamente, nada, absolutamente nada, justifica os atos que você repudiou e eu faço coro. Queria que só marcar esses dois lados da torcida pra coisa não ficar generalizada. Tem torcedores e torcedores. Se importar é diferente de ser um animal.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Com certeza, a ideia é evitar os excessos, que não fazem bem a ninguém e muito menos ao esporte e aos seus fãs, afinal, por quanto tempo os animais afastaram as pessoas dos estádios? Acho que se queremos que o futebol, de fato, se torne rentável e acessível como em outros bons exemplos pelo mundo precisamos repudiar os boçais.

      Excluir