sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A grama do vizinho é sempre mais green

Imagem tirada daqui - Occupy Corporatism
"Em sua oposição meramente briguenta nossos políticos mais conservadores não enxergam ou fingem não enxergar o mal que causam. O emagrecimento das finanças federais poderá, em breve, ocasionar a falta da merenda em várias escolas do País, isso sem mencionar as milhares de pessoas que dependem de ajuda direta do Governo para conseguir fazer mais de uma refeição por dia. A política, casualmente, se torna desumana e invariavelmente assim se tornará quando interesses partidários se tornam mais importantes do que a própria missão do político."

O leitor pode achar que tirei esse trecho de algum articulista da blogosfera, mas não. Isso é uma tradução livre que tirei de um pequeno jornal da cidade californiana de Monterey. Infelizmente não achei a versão virtual da coluna para postar aqui, fico com o que levo da memória, a ideia geral que, para este texto, serve muito bem. O repórter falava do shutdown do governo americano.

O primeiro ponto a impressionar é que, segundo o repórter, na meca do neoliberalismo mundial ainda há pessoas que dependem diretamente do Estado para se alimentar. Ora, se o cenário está assim lá, podemos imaginar o que acontece em países como o nosso, que procuram efetuar uma política que "no mais rico dos países capitalistas" continua a gerar diferenciações sociais a ponto das pessoas passarem fome.

Tal qual no Brasil, os conservadores americanos se opõem veementemente à ajuda estatal direta e aos programas sociais de seu governo que, segundo eles (e poderíamos dizer o mesmo dos nossos conservadores) vão transformar os EUA numa nação comunista.

Segundo o grosso da imprensa escrita ou virtual que li da Califórnia (e não perdi tempo lendo cópias americanas da Veja), o principal fator do shutdown do governo americano fora justamente a disputa política sobre o Obamacare,  uma tentativa dos americanos de modificar seu distorcido sistema de saúde que, assim como o nosso, deixa os mais pobres à míngua. Qualquer semelhança com toda a polêmica do Programa Mais Médicos não é mera coincidência.

Assim como os republicanos, que se recusam a reconhecer a dependência de sua economia daqueles que seriam beneficiados pelo programa de Obama, os conservadores brasileiros estavam dispostos a deixar que os vários beneficiados pelo programa Mais Médicos purgassem com toda sorte de doenças para que os médicos estrangeiros (não só "escravos cubanos") não desestabilizassem o mercado através da elevação súbita da mão de obra. Natural que, tanto para conservadores americanos, quanto para brasileiros, o deus mercado esteja à frente dos mortais.

Um outro ponto semelhante no Brasil e EUA que pude notar é a profunda lacuna entre o trabalho da classe política e a representatividade que os elege. Seja nos EUA, na Europa ou no Brasil é evidente que a visão meramente econômica da política ocidental mundial cada vez a distancia mais dos eleitores.

Na verdade, tanto a última crise mundial quanto os focos de revolta surgidos mundialmente em período próximo a ela, na minha opinião, comprovam que o maior desafio da sociedade ocidental começa agora, contra si mesma. Vencida a guerra fria, supostamente, o Deus mercado se tornou onipresente na política mundial e a sua resistência vem e virá internamente.

Felizmente, a mesma globalização que serve para negócios, lucro e domínio econômico converge as forças de resistência e questionamento ao mercado. Quanto mais globalizado for o mundo, maior será a cooperação dentre os que questionam o neoliberalismo, verdadeiro morto-vivo, e isso é confortador.

Assim como no Brasil, há vários americanos ansiosos para confrontar o poder constituído com sua perniciosa agenda de interesses puramente econômicos. É com otimismo que vejo a resistência à despudorada "economização" da política crescer, talvez no mesmo volume com que os tecnocratas acumulam seus bônus, mesmo em tempos de crise e mesmo que seu banco seja comprado ou peça falência.

O conflito de lá, se repete aqui e em qualquer lugar do mundo, o que acho, entretanto, indecifrável no pensamento conservador brasileiro é que vários dos que aqui criticam o Bolsa Família e o Mais Médicos se dizem democratas quando falam sobre política americana.

Não sei se isso é fator da profunda ignorância política de nossa elite conservadora, que, em sua grande maioria, esbarra na ideologia para assumir posições que sejam até mesmo contrárias ao seu ideal neoliberal ou se é aquele velho derrotismo reacionário, típico da "classe média" tupiniquim, que condena antecipadamente qualquer coisa que seja feita, principalmente pelo "governo comunista petralha", mas que serve de rescaldo para a rejeição absoluta de qualquer coisa que tenha cheiro de esquerda. O que sei é que, pelo que parece, políticas sociais americanas funcionam, já as brasileiras não.

Esse comportamento pude ver em junho, quando a massa quase fascista que só pensava em "impeachment", "prisão para mensaleiros" e "pena de morte" abandonou as ruas simplesmente para não se identificar com movimentos sociais que permaneceram na resistência.

Ao ver política como futebol a parcela conservadora da nossa sociedade ignorou o fato de que, mesmo que fizesse coro aos "vândalos" e "baderneiros" na rua, poderia incrementar o desgaste político do governo petista, ou seja, ganho para quem, há mais de uma década, expõe de forma cada vez mais extremada o profundo ressentimento com uma democracia que não se presta única e exclusivamente aos seus interesses.

Ao que me parece, essa recente polêmica na política americana me mostrou mais um fator comum com o cenário político brasileiro. Assim como os conservadores americanos, após tanta polêmica, os conservadores brasileiros obtiveram ganhos reduzidíssimos. Às portas das próximas eleições presidenciais temos Dilma em vantagem absoluta e a oposição de direita se fragmentando, seja pela briga interna no PSDB ou pela inusitada aliança entre Campos e Marina. Ao que parece a esquizofrenia ultraconservadora gera, cada vez mais, reveses aos seus partidários. Das torres de marfim, o grito é cada vez mais baixo, enquanto isso, a plebe desobediente converge, formula suas pautas e questiona quem quer que seja.

A oposição de esquerda, até o momento, não me parece mostrar quais planos possui para as eleições presidenciais, enquanto isso, a garotada pouco se importa, se concentrando em pautas específicas e pontuais, sempre de questionamento e denúncia.

Embora pareça niilista, esse comportamento, politicamente, me parece muita mais produtivo do que o grito surdo e caricato dos nossos demorepublicanos brasileiros, que ora são liberais, ora intervencionistas, ora democratas, ora republicanos, mas sempre contra qualquer coisa com cheiro de "comunismo", mesmo que não saibam exatamente o que isso significa, mesmo que ignorem que o mesmo democrata que admiram, em seu país, também é chamado de comunista pela mesmíssima parcela social de que fazem parte.

Atualização: O Blog Esquerdopata SQN divulgou excelente texto que me remete ao que falo aqui: http://esquerdopata.blogspot.com.br/2013/12/a-oposicao-que-virou-po.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed:+OEsquerdopata+(O+Esquerdopata)


Nenhum comentário:

Postar um comentário